sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Paulista, Ipiranga, Interlagos (setembro de 2006)

Há certas emoções na vida que vêm carregadas de tanto significado que merecem ser escritas, eternizadas. Para além do fato em si. Vivi três delas: sentar em plena Avenida Paulista, cantar o Hino Nacional nas escadarias do Museu do Ipiranga e correr no Autódromo de Interlagos. Três atos que combinam completamente ou de forma totalmente oposta com o seu ambiente. Três atos inesquecíveis.

Sentar na Avenida Paulista
Era época de faculdade, eu estudava ali, em plena Avenida Paulista, na Cásper Líbero. Naquela noite pararam a avenida mais famosa de São Paulo, o centro nervoso, o cartão postal, o símbolo. Fecharam a Av. Paulista. Era uma manifestação, não lembro ao certo do que. Mas me sentei ali, em plena avenida, certa de que poucas vezes – talvez nenhuma – na vida viveria isso de novo. Era como se ao sentar naquele asfalto eu transgredisse a ordem natural das coisas. Era possível fazer um ato todo contramão e... tudo bem. Não havia carros ali, não havia ônibus, ninguém a buzinar porque o farol abriu ou fechou. Nada. Sem fumaça, sem pessoas correndo na faixa de pedestres. Apenas nós, muitos estudantes, de pé, sentados, gritando, rindo, expressando seu direito de ser. Sentei ali e pensei “Estou sentada em plena Avenida Paulista”. Eu consegui me abster do momento em si e registrar o insólito fato na minha memória. Sabia que aquilo era muito mais importante do que a manifestação em si, do que seus possíveis resultados. Sentar na Avenida Paulista era algo que eu contaria para meus filhos. Porque a Avenida sempre estará ali, com muitos, muitos carros correndo por ela. Mas eu parei esta avenida quando era adolescente. E só vale assim, parando mesmo. Nada de revéillon ou corrida de São Silvestre. Não tem graça parar a Paulista com o seu consentimento, com os carros avisados e suas rotas desviadas. Não. Parar a Paulista teria que ser assim mesmo, de repente, causando transtorno e movimento, interrompendo o fluxo normal dos acontecimentos, parando de fato o pulsar do paulistano. Não durou muito. Talvez uma hora. O suficiente para ser um momento inesquecível. Não lembro que manifestação era aquela. Mas lembro que sentei em plena Avenida Paulista.

Cantar o Hino Nacional no Ipiranga
Era véspera de 7 de Setembro. Estávamos lá, talvez 2 centenas de pessoas, autoridades, educadores, empresários, em uma manifestação pela Educação em nosso País. Pessoalmente, participava meio cética dos resultados práticos, mas, claro, torcendo por seu sucesso. O evento estava sendo televisionado e por isso ficamos todos em pé na escadaria do Museu. Tinha uma bela vista dali. Meu pensamento começou a viajar e voltei no tempo. Imaginei aquele lugar no tempo de D. Pedro, nada de prédios, um brejo talvez. Foi ali que ele declarou a independência do Brasil – no olhar mais apaixonado de nossa história, eu sei. Mas essa é a lembrança oficial que tenho dali. Então começamos a cantar o Hino Nacional. “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas....” EU ESTAVA ALI! No Ipiranga, imaginando as margens plácidas. “De um povo heróico o brado retumbante...” Sim, um povo que permanece heróico, cada vez mais. “Verás que um filho seu não foge à luta...” Tive certeza naquela manhã de que nosso Hino era o mais bonito de todos. O mais poético, o mais emocionante. Chorei ao cantá-lo. Mais uma vez. Não era raro eu chorar numa execução do Hino Nacional. Em geral isso ocorre em momentos emocionantes – cerimônias, Copa do Mundo, Jogos de vôlei. Mas ali era a consagração. Sei que de agora em diante sempre que cantar o Hino Nacional lembrarei daquele momento, daquela visão. Do alto da escadaria do Ipiranga, imaginando as margens plácidas de um tempo passado. Uma manhã ensolarada, um País abençoado. E à espera. Ainda.

Correr no Autódromo de Interlagos
Ok, o local combina com carros. De preferência de Fórmula 1. Mas naquela manhã o autódromo fora dominado pelos corredores de rua, profissionais ou amadores que se reuniam em mais uma corrida da Corpore, 10 quilômetros. Era um desafio para mim. O máximo que já correra em uma competição. Mas a motivação, desta vez, não era a corrida em si, e sim o local. Autódromo de Interlagos. Nunca imaginei nem pisar na pista, quanto mais percorrê-la correndo! Pensar que era nesta mesma pista que os grandes do automobilismo se encontravam uma vez por ano. Que foi ali que o imortal Ayrton Senna tinha paixão por se consagrar. Corri cada metro daquele percurso imaginando os carros passando, o ronco ensurdecedor dos motores, as curvas cumpridas em velocidade, o público acenando. Corri cada minuto degustando essa sensação única, este privilégio de ali estar, em um local tradicional da cidade, reservado às máquinas mas que, naquele dia, permitia a nossa invasão. Uma invasão do bem, pela saúde, pelo bem estar e lazer. Mais um momento inesquecível.

Nenhum comentário: