Há certas emoções na vida que vêm carregadas de tanto significado que merecem ser escritas, eternizadas. Para além do fato em si. Vivi três delas: sentar em plena Avenida Paulista, cantar o Hino Nacional nas escadarias do Museu do Ipiranga e correr no Autódromo de Interlagos. Três atos que combinam completamente ou de forma totalmente oposta com o seu ambiente. Três atos inesquecíveis.
Sentar na Avenida Paulista
Era época de faculdade, eu estudava ali, em plena Avenida Paulista, na Cásper Líbero. Naquela noite pararam a avenida mais famosa de São Paulo, o centro nervoso, o cartão postal, o símbolo. Fecharam a Av. Paulista. Era uma manifestação, não lembro ao certo do que. Mas me sentei ali, em plena avenida, certa de que poucas vezes – talvez nenhuma – na vida viveria isso de novo. Era como se ao sentar naquele asfalto eu transgredisse a ordem natural das coisas. Era possível fazer um ato todo contramão e... tudo bem. Não havia carros ali, não havia ônibus, ninguém a buzinar porque o farol abriu ou fechou. Nada. Sem fumaça, sem pessoas correndo na faixa de pedestres. Apenas nós, muitos estudantes, de pé, sentados, gritando, rindo, expressando seu direito de ser. Sentei ali e pensei “Estou sentada em plena Avenida Paulista”. Eu consegui me abster do momento em si e registrar o insólito fato na minha memória. Sabia que aquilo era muito mais importante do que a manifestação em si, do que seus possíveis resultados. Sentar na Avenida Paulista era algo que eu contaria para meus filhos. Porque a Avenida sempre estará ali, com muitos, muitos carros correndo por ela. Mas eu parei esta avenida quando era adolescente. E só vale assim, parando mesmo. Nada de revéillon ou corrida de São Silvestre. Não tem graça parar a Paulista com o seu consentimento, com os carros avisados e suas rotas desviadas. Não. Parar a Paulista teria que ser assim mesmo, de repente, causando transtorno e movimento, interrompendo o fluxo normal dos acontecimentos, parando de fato o pulsar do paulistano. Não durou muito. Talvez uma hora. O suficiente para ser um momento inesquecível. Não lembro que manifestação era aquela. Mas lembro que sentei em plena Avenida Paulista.
Cantar o Hino Nacional no Ipiranga
Era véspera de 7 de Setembro. Estávamos lá, talvez 2 centenas de pessoas, autoridades, educadores, empresários, em uma manifestação pela Educação em nosso País. Pessoalmente, participava meio cética dos resultados práticos, mas, claro, torcendo por seu sucesso. O evento estava sendo televisionado e por isso ficamos todos em pé na escadaria do Museu. Tinha uma bela vista dali. Meu pensamento começou a viajar e voltei no tempo. Imaginei aquele lugar no tempo de D. Pedro, nada de prédios, um brejo talvez. Foi ali que ele declarou a independência do Brasil – no olhar mais apaixonado de nossa história, eu sei. Mas essa é a lembrança oficial que tenho dali. Então começamos a cantar o Hino Nacional. “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas....” EU ESTAVA ALI! No Ipiranga, imaginando as margens plácidas. “De um povo heróico o brado retumbante...” Sim, um povo que permanece heróico, cada vez mais. “Verás que um filho seu não foge à luta...” Tive certeza naquela manhã de que nosso Hino era o mais bonito de todos. O mais poético, o mais emocionante. Chorei ao cantá-lo. Mais uma vez. Não era raro eu chorar numa execução do Hino Nacional. Em geral isso ocorre em momentos emocionantes – cerimônias, Copa do Mundo, Jogos de vôlei. Mas ali era a consagração. Sei que de agora em diante sempre que cantar o Hino Nacional lembrarei daquele momento, daquela visão. Do alto da escadaria do Ipiranga, imaginando as margens plácidas de um tempo passado. Uma manhã ensolarada, um País abençoado. E à espera. Ainda.
Correr no Autódromo de Interlagos
Ok, o local combina com carros. De preferência de Fórmula 1. Mas naquela manhã o autódromo fora dominado pelos corredores de rua, profissionais ou amadores que se reuniam em mais uma corrida da Corpore, 10 quilômetros. Era um desafio para mim. O máximo que já correra em uma competição. Mas a motivação, desta vez, não era a corrida em si, e sim o local. Autódromo de Interlagos. Nunca imaginei nem pisar na pista, quanto mais percorrê-la correndo! Pensar que era nesta mesma pista que os grandes do automobilismo se encontravam uma vez por ano. Que foi ali que o imortal Ayrton Senna tinha paixão por se consagrar. Corri cada metro daquele percurso imaginando os carros passando, o ronco ensurdecedor dos motores, as curvas cumpridas em velocidade, o público acenando. Corri cada minuto degustando essa sensação única, este privilégio de ali estar, em um local tradicional da cidade, reservado às máquinas mas que, naquele dia, permitia a nossa invasão. Uma invasão do bem, pela saúde, pelo bem estar e lazer. Mais um momento inesquecível.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
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