segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
A pista já foi desbloqueada - 31/12/2012
Era uma volta do trabalho como tantas outras. Trânsito pesado, 23 de Maio parada, luzes, espera, pensamentos, rádio. O velho e bom rádio a nos acompanhar quando nada mais está por perto. Noticiário. De trânsito. Parece um lado masoquista ou quem sabe esperançoso. Quem sabe aquele trânsito todo é passageiro? Quem sabe há uma abertura logo mais à frente, me permitindo, enfim, chegar em casa ainda a tempo de não me sentir voltando de novo.
“... a pista já foi desbloqueada”.
Boa notícia? Talvez. Afinal, algo que estava bloqueando a passagem de milhares de pessoas em seus carros, a caminho de suas casas, já foi removido. Alívio. A metrópole voltando, naquele micro lugar ao menos, ao normal.
O que bloqueava a pista?
Talvez mercadoria de um caminhão tombado, talvez carros que se chocaram e lá ficaram?
Não, era um corpo.
Uma pessoa que até há algum tempo também tentava chegar ao seu destino. Talvez um pouco menos privilegiada do que o condutor do carro que a vitimou. Talvez um morador de rua, talvez uma criança. Quem sabe?
Só sabemos que a pista foi desbloqueada. Claro está que ele/ela foi levado a algum lugar. Claro está que a partir daí seus familiares – se é que ele/ela os têm – foram avisados – se ele/ela estivesse de posse de seus documentos, senão isso demoraria um pouco mais. Claro está que mesmo a mais cruel das cidades encaminha seus mortos. Há sempre pessoas em todos os lugares, a fazer seu ofício, com mais ou menos sorrisos.
Mas, claro está, que o desbloqueio da pista não foi o final desta história.
Porém, a voz do locutor não dava essa impressão. Foi um simples “...a pista já foi desbloqueada”, como a cumprir sua missão de informar, pura e simplesmente. Quem sabe imaginando dar uma boa notícia a quem passaria por aquela via sempre tão congestionada àquela hora.
Não consegui ficar indiferente. Era patético. O locutor narrava um acidente fatal, na avenida x, e acaba a matéria com um “...a pista já foi desbloqueada”. Um sentimento de vazio me invade. É isso o que vale aquela pessoa, depois de tudo? Ou é nisso que nos tornamos, depois de tudo? Locutores, ouvintes, autômatos, pessoas indo e vindo, cumprindo sua função?....
Espero que ele/ela tenha tido parentes a serem avisados. Espero que tenha estado com seus documentos para que isso ocorresse rapidamente, numa tentativa vã de tornar a dor da perda menos dolorosa. Menos longa. Menos impiedosa. Vã tentativa.
Mas como nunca saberei o fim desta história, posso me dar a permissão de escrevê-lo. De imaginá-lo. De torcer por um fim. Além de parentes e rápida identificação, ofereço a ele/ela esta crônica. Anônima, assim como ele/ela foi para mim.
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