sábado, 6 de abril de 2013
Riscos pela Sustentabilidade - 3/9/2009
Sei que vou correr alguns riscos ao escrever este artigo. Mas, afinal, um espaço como este não é necessariamente para mostrar certezas e verdades absolutas. Antes de mais nada, se presta a colaborar na disseminação e compartilhamento de reflexões, pensamentos, dúvidas até.
Sendo assim, vamos lá.
Nas palestras que faço, invariavelmente a abordagem do marketing à sustentabilidade é assunto presente. Confesso que tenho certa frustração em relação à forma como estes profissionais vêm lidando com o tema. Frustração no bom sentido, pois entendo que os “marqueteiros” (para usar um termo que pessoalmente não acho muito elogioso, mas que caiu no uso corrente) têm um papel muito importante no movimento de clarificação do que é, afinal, esta tal de sustentabilidade e de como ela pode e deve permear o tratamento dos produtos e marcas.
A reflexão que quero compartilhar com vocês vem, não só de minha observação, mas também de muitas conversas com estes profissionais, afinal, somos colegas na nossa matéria macro chamada Comunicação.
Para poder falar de qualquer assunto, nos baseamos nos nossos conceitos, premissas, aprendizados. Recorro, assim, à minha profissão, Jornalismo, para comparar como estes dois segmentos trabalham a sustentabilidade.
Ao meu ver, os jornalistas estão mais avançados no entendimento, tratamento e aplicação dos conceitos e práticas relacionados ao tema. Vejo os marqueteiros mais erráticos, com abordagens que variam bastante, algumas muito próximas do que de fato deveria ser o tratamento a abordagens completamente equivocadas.
Para mim, isso pode ser explicado, em parte, na raiz de cada profissão. Venha comigo: nós, jornalistas, aprendemos no banco da faculdade (sei que após a extinção da obrigatoriedade do nosso diploma este não será necessariamente o meio de aprendizado, mas para mim foi completamente útil e, sempre que puder, irei externar meu inconformismo com esta decisão) que a base de nossa atividade é o questionamento. É perguntar, ouvir os dois lados, inquirir. Montar uma boa história e contá-la, da forma mais fidedigna possível. Está na nossa raiz, no nosso sangue.
Ao longo de minha profissão, nas várias reportagens que fiz, sempre me abstive de me posicionar, por mais que concordasse ou discordasse de meu entrevistado. Isso, claro, poderia ocorrer como recurso de reportagem, mas jamais como colocação própria. O bom jornalista mais ouve do que fala.
Pois é, e o profissional de marketing? Correndo o risco de ser pouco profunda, mas com grande dose de certeza, vejo que nossos colegas foram formados justamente em outra direção. É o mercado que os guia, a venda, o convencimento. É claro que há uma escuta, mas ela está a serviço da formação de argumentos para se sobressair à concorrência.
Ora, estes dois ângulos explicam, ao meu ver, o tratamento da sustentabilidade pelo jornalismo e pelo marketing. O primeiro está cada vez mais se aprofundando, querendo saber as novidades, entendendo se o ângulo está correto frente às tendências, à Academia, às pesquisas. Quer acertar 100% nas palavras, nos fatos.
O segundo usa da sustentabilidade para diferenciar seu cliente, seu produto, sua marca. É permitida, aqui – como bem sabemos – alguma dose de exagero ou até incorreção. E não que isso seja má fé. Quando vemos anúncios assassinando, nem que seja sutilmente, a Língua Portuguesa, sabemos que o redator teve que fazer uma escolha entre a língua culta e a língua das ruas, do mercado, do seu público. Se isso é aceitável, cabe a cada um e ao juiz máximo, o cliente, decidir.
Como nada na vida pode ser radical, correndo o risco de deixar de fora do campo de visão grandes presentes, tanto jornalistas como marqueteiros podem e devem aprender uns com os outros. Clamo aqui por um fórum comum de comunicação, onde possamos debater e consensar como estes profissionais -- e os demais comunicadores, nossos valiosos RPs, por exemplo –deveriam atuar a fim de promover o urgente entendimento da sustentabilidade na sociedade.
Todos sabemos que o tempo está curto. Seja por um desastre natural antes impensável que bate à nossa porta, seja por uma crise financeira mundial sem precedentes, sabemos que o tempo urge. Precisamos encarar os temas de sustentabilidade de forma muito correta, profunda.
Os profissionais de comunicação têm um papel fundamental nesta agenda. Somos nós que ajudamos a amplificar, formar opiniões, convencer. O poder da comunicação, assim como todo poder, pode ser para o bem ou para o mal (guardadas aqui as devidas proporções do que é “mal”). Em termos de sustentabilidade, não há mais espaço para um poder que não construa. Um poder que não use cada oportunidade de aproximação com seu leitor, ouvinte, telespectador para conscientizar sobre de que mundo, afinal, estamos falando e precisamos (re)construir.
Clamo aqui por algo que pode soar até pueril. Clamo por um olhar maior sobre nossas atividades. É possível, e necessário, usar todos os recursos de jornalismo, marketing e relações públicas em prol – de novo -- do mundo que precisamos construir. Um mundo mais sustentável, mais justo, mais humano.
Não tenho a mínima dúvida de que as empresas e consumidores ao redor do mundo estão cada vez mais sensíveis e desejosos disso. Não podemos mais fugir a este desafio. Ele pede, no entanto, que abramos mão de fórmulas conhecidas e bem sucedidas. Correndo o risco, inclusive, de fracassar algumas vezes.
Mas, o que é a vida se não corrermos riscos...?
De tensões, frustrações e borboletas - 6/7/2009
De tudo que tenho lido sobre sustentabilidade, um dos assuntos mais constantes é o perfil do profissional que se dedica a este tema nas empresas. É possível elencar uma série de características, a partir de estudos, pesquisas, consultorias, artigos como este. Mas qualquer lista certamente será incompleta, e até certo ponto desanimadora.
Vamos fazer um exercício? Visão estratégica e integrada, flexibilidade, empatia, conhecimento do negócio, capacidade de influência e negociação, dinamismo, bom relacionamento, humildade, versatilidade, empreendedorismo, paixão pela causa, liderança, criatividade, obstinação... ufa! Quase um super-homem ou uma super-mulher.
Para dar minha contribuição ao tema, focarei em duas competências que julgo essenciais a partir da minha vivência diária no tema.
Gerador de tensão. O nome não é bonito nem melódico, mas retrata bem como vejo a evolução desta agenda. A construção da cultura e prática de sustentabilidade nas empresas, seja qual for seu histórico com o tema, se dá por movimentos de tensão.
Estamos sempre lidando com o que falta, com o que “deveria ser”, com “um pouco mais”. Afinal, a agenda da sustentabilidade é a agenda de uma nova gestão necessária a um novo mundo que se tornou, mais do que urgente, a única possibilidade de sobrevivência no longo prazo.
É a agenda do futuro. E não se constrói o futuro sem conflitos, sem tensão. É o movimento. A cada tensão superada, evoluímos um pouco. É o executivo que, antes tão cético, começa a abrir espaço na sua estratégia – e consequentemente na sua mente – para o tema. É aquela área que conseguiu achar seu caminho para inserir aspectos socioambientais no produto ou serviço.
Neste momento, tudo o que foi vivido durante o processo, vale a pena. É disso que vivemos. É isso o que nos alimenta e nos dá força na caminhada. Por isso, ser um “gerador de tensão” me parece uma boa definição para o profissional de sustentabilidade. Definição que, obviamente, carrega consigo as competências necessárias para se exercer bem este papel.
Uma dessas competências para mim é crucial e assim chego na segunda característica que quero destacar: resistência a frustração. A linha de raciocínio aqui é a mesma: gerar tensão, lidar com um assunto ainda não de domínio de todos, um assunto ainda em cheque e carecendo de entendimento e provas, não é algo simples.
Quantitativamente, ainda perdemos mais do que ganhamos. E o ser humano não gosta de perder. É difícil lidar com o “não”, com disputas de espaço (ser área transversal lida com isso cotidianamente), com propostas não entendidas e rejeitadas. Se fôssemos americanos, e não brasileiros, seria mais simples. A separação lá na terra do Tio Sam entre o profissional e o pessoal é bem clara. Aqui, não. Nos misturamos o tempo todo, as pessoas físicas e jurídicas, e todos os sentimentos inerentes a elas.
Mas há que se separar.Necessariamente temos que separar. A rejeição a uma proposta não significa a rejeição ao profissional e à sua competência. Vendo dessa forma, fica mais fácil de lidar.
Arrisco-me a dizer que a frustração a um projeto ou ideia no campo da sustentabilidade tem um peso maior do que uma proposta do “business as usual”. Falo isso como quem gerenciou as duas agendas simultaneamente em duas organizações. Aqui, há o peso da causa.
Não gosto da conotação que a palavra “militância” ganhou ao longo dos anos, mas acho que ela define bem o que quero expressar. Os profissionais de sustentabilidade são também conduzidos por uma militância à causa. Trabalhamos por um mundo melhor. No fim do dia, é isso. Por isso, o “não” nos pesa como a negação, não só a uma proposta, mas a um mundo que inequivocadamente precisamos construir.
Neste sentido, saber lidar com a frustração se torna um bem precioso. O gestor de uma equipe de sustentabilidade tem que ter isso na veia. Para si, sem dúvida, mas principalmente para liderar uma equipe com menos experiência de vida e jogo de cintura.
Bem sabemos que para enfrentar algumas situações adversas não há bula nem manual de instrução. Quem nos socorre nesta hora é mesmo a vida, a estrada, o caminho que nos deu aqueles calos tão preciosos e fez com que esses momentos possam ser conduzidos de forma mais tranquila e construtiva – não sem tristeza, sem dúvida.
Chego a este ponto com uma reflexão: estarei sendo muito amarga ao falar apenas de tensão e frustração em um artigo sobre o perfil de um profissional tão valioso nos nossos dias? Espero que não tenha soado assim.
Afinal, só conseguimos ver as borboletas, que são belas e inspiradoras, depois que elas saem de seus casulos, onde viveram processos dolorosos de evolução. O caminho da sustentabilidade é assim, belo, inspirador, transformador. Feito de degraus muitas vezes difíceis de serem subidos. Mas esta é justamente a beleza de se atuar nesta área.
Mudança de patamar- 18/02/2009
Como passamos ao “próximo nível” no terreno da sustentabilidade? O que provoca, de fato, a mudança?
É dado que quando falamos de sustentabilidade – um termo que ainda é mal compreendido ou muitas vezes confundido com conceitos pares, como investimento social -- a tensão é uma mola mestra. Falar de sustentabilidade, paradoxalmente, é falar de futuro (digo paradoxalmente porque o conceito sempre existiu, desde que o mundo é mundo). E o futuro é algo em construção, por excelência. Se não, estaríamos falando de um presente que se repetirá amanhã.
Mas o mundo não aceita mais “presentes”. No presente, falhamos. Temos, no entanto, a oportunidade de acertar no tempo que ainda está por vir. Mas, sendo o futuro algo que ainda não existe, ele pode assustar, inibir, coibir. É preciso coragem para encarar o futuro, para se jogar nele, para ser um protagonista dele. Por isso, muitas vezes há o receio, o esperar pra ver, a cautela. É o conforto do presente falando mais alto.
Ok, mas, mais hora menos hora, com medos, receios, recuos, teremos que subir a um novo patamar. É imperativo, é inevitável. O que fará, então, com que isso ocorra? Esta resposta pode vir de vários lugares: da experiência, dos estudos, das tendências, das pesquisas. Vamos ver o que as pesquisas nos dizem.
Duas delas, realizadas no final de 2007, pelo Ibope e pela FBDS – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável – com executivos de diferentes ramos de atuação, nos apontaram a mesma direção: as pressões externas, sejam da sociedade civil organizada, sejam de órgãos regulatórios, são os fatores que menos influenciam na decisão da inserção da sustentabilidade na agenda estratégica das empresas. O que mais motiva são fatores internos e de ordem competitiva, como agregar valor à imagem e estar em linha com a missão e valores da empresa.
Este não deixa de ser um dado surpreendente, principalmente quando olhamos a trajetória de luta e ativismo de organizações que fizeram e fazem a diferença. “É preciso, então, ‘bater mais’?”, me perguntou o grande companheiro de jornada Gustavo Pimentel, à época na ONG Amigos da Terra, durante encontro que realizamos na Febraban para apresentação das duas pesquisas. Minha resposta foi, e é, decididamente, não.
Por mais que saiba e vivencie diariamente o quanto certo nível de tensão é fundamental para ganho de espaço da agenda da sustentabilidade no dia-a-dia empresarial, não acredito no embate como fator alavancador. Não no longo prazo. Não de forma sustentável -- para usar um termo bem apropriado.
Sou da turma do diálogo, da convergência, da composição. Preservando-se, claro, os espaços e defesas que às vezes não terão ponto de intersecção pela natureza dos atores. Esta, aliás, é a riqueza do debate. Cada lado tem que se posicionar, tem que defender seus pontos de vista, tem o direito de se indignar. Mas tem que compor. Tem que achar o ponto onde o conforto se dá, e o avanço é possível, não, claro, sem algumas concessões. Mas a vida não é feita de concessões?
“Não bate, não. Vamos conversar.” Esta foi minha resposta ao Gustavo em meio a uma plateia que participava ativamente desta discussão. Uma plateia que se mostrava receptiva a este preceito milenar, o do diálogo. Mas basta ligar a televisão e constatamos que a humanidade ainda não passou nesta prova dos nove. Guerras insanas, e nada santas, se perpetuam frente a olhos incrédulos dos quatro cantos do mundo. Mas não podemos desistir. Se nascemos, crescemos, caímos e levantamos interagindo por meio do diálogo – em todas as suas formas -- temos que continuar acreditando nele como elemento de avanço da nossa agenda socioambiental.
Um fato concretiza para mim este caminho possível. No final de 2007, a mesma Amigos da Terra, que faz parte da BankTrack, rede internacional de ONGs que monitora instituições financeiras privadas, realizou em parceria com a Febraban, na sede da própria Federação, o pré-lançamento do novo relatório da instituição, com a avaliação das políticas socioambientais para financiamentos e investimentos de 45 bancos de todos os continentes que operam em escala internacional.
Segundo o relatório, os bancos assinavam políticas coletivas, o que é importante, mas havia uma crítica forte e um pedido para que se investisse mais em políticas setoriais e temáticas. É verdade, havia e há esta necessidade. E isso foi dito a uma plateia de bancos, na casa deles. Prova do diálogo possível.
“Este é um momento histórico”, disse Gustavo. Naquele momento, estou certa, avançamos um pouco no debate, trouxemos forças e fragilidades à luz. Talvez não tenhamos ainda subido um patamar, mas certamente ele ficou mais próximo. E só foi possível como consequência de um diálogo constante, estruturado e respeitoso. A meu ver, o único caminho de fato sustentável.
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