sexta-feira, 23 de maio de 2014

Chove, onde antes fazia sol - 23/05/2014

Chove. Onde antes fazia sol, muito sol. Pausa para parar. Redundante? Talvez. A vida, afinal, não é feita de redundâncias? Aqui, numa praia calma, no meio de maio, onde só se deve agradecer, a mulher pergunta ao humilde garçom no delicioso café da manhã: "Hoje as frutas virão com formigas?" Como assim? Ao diabo as formigas. O homem, ao seu lado, mudo. Talvez a vida inteira, talvez já tenha desistido de argumentar, como saber?

E eu aqui,calmamente tentando escrever uma crônica pelo celular - cade meu lap top? Longe. Vale improvisar, quem sabe fique até melhor?

Chove. Talvez porque tenha feito muito sol. Tenha nos inundado de vida. E agora dá uma trégua. Para ler, pensar, caminhar, escrever. E postar. As redes nos aproximam de amigos e parentes queridos. Nossa, décadas sem se ver, sem se falar... Você está bem? Que bom! As redes nos aproximam, tudo tão rápido... E assustam. Quem é você que curtiu o que escrevi? Que quer ser meu amigo? Como assim? Amizade não requer contato, olho no olho, mão na mão? Talvez não mais. Talvez ainda.

Chove. Um pouco menos agora. O céu começa a abrir, o sol parece querer retomar seu lugar de honra. Já? Que bom, bem-vindo, sempre. Ainda distante, apenas mandando sinais, como as longínquas mensagens que surgem no meu blog. Mensagens do Canadá (Re, obrigada por sempre me incentivar), de Campinas (é Campinas, né Lecia?...), de São Paulo, a velha doente e adorada São Paulo (meu irmão, sempre atento; Mari, responsável por eu entrar no Facebook, um novo jeito de fazer um book, afinal; Luiza e Te, primas queridas; Marcia, Ligia, Felipe, parceiros na paixão pelo voleibol), pessoas queridas que pararam para ler meus pensamentos em crônicas. Delícia.

Não chove mais. Mas está encoberto. Que bom, o céu cinza inspira o sono, a saudade, o sem-pressa. Peço mais um café, com espuminha. Lembro da espuma do mar, da onda que caprichosamente beijava as pernas da menina sonhadora de 15 anos. Amanhã, acho que amanhã dará praia. Sempre tem um amanhã, mesmo que demore 25 ou 31 anos.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Pegadas na areia (as minhas) – 21/05/2014



É difícil andar na areia fofa da praia. O pé afunda, te segura, até que a outra perna venha em salvamento e completamos o passo. Tem que tomar cuidado, não forçar o joelho, a coluna. Quando tem um sol escaldante, então, melhor ainda. Estava eu assim hoje, caminhando na praia. Afundando pé ante pé, tentando me equilibrar, imaginando como as duplas de vôlei de praia sobrevivem.

Quando, de repente, pisei em uma pegada anterior. Era mais fácil assim. Alguém já tinha passado por ali, afofado aquela areia, se desequilibrado, talvez caído. E deixou seu rastro. Que poderia ou não ser seguido, aproveitado. Tentei, e gostei. Era quase como se fosse plano, andando assim, na pegada do outro.

Como na vida. Algum amigo, amor, família já passou por algo muito semelhante que nós, certamente. Talvez ouvindo mais, compartilhando mais essas experiências nossa caminhada fique mais leve, como meu caminhar hoje em cima de pegadas desconhecidas. Quem sabe? Um caminho já percorrido, uma dor já sentida, uma lágrima já vertida, será que aliviam nosso caminho? Talvez. Na areia funcionou.

Segui ali, firme, olhando atentamente para o chão e buscando a mesma trilha. Vez ou outra, ela sumia. Eu afundava e de novo me aprumava. Era divertido. Como na vida. Cair, levantar, desequilibrar, tentar de novo.

Mas compartilhar dá trabalho, dói também. Só mesmo tentando, se permitindo, recebendo e dando, quem sabe?

Fui até a ponta da praia. E comecei a voltar. Surpresa! Desta vez tinha minhas próprias pegadas para seguir, meu próprio caminho. Meu pé cabia, claro, perfeitamente naquela pegada, era minha. Como na vida. Momentos em que você se apropria tanto do seu caminhar que parece levitar, quase voar. Sabe as esquinas, as lombadas, as curvas, o momento de parar para abastecer. Um sentimento de conforto toma conta.

Mas o mar vem. E apaga as pegadas. Minhas e dos outros. A areia fica de novo lisa, pronta para ser pisada, afofada. A agasalhar novos e segundos passos. É preciso de novo recomeçar, deixar novas pegadas na areia.

Talvez não no mesmo ritmo das marés, mas a vida vai e vem.
Como as ondas que apagam as pegadas.
Mas que trazem as conchas que nos fazem sonhar.

Quem sabe até uma ostra, quem sabe uma pérola. Tudo está lá, o mar, a onda, a areia, a concha, a ostra, a pérola. Somos nós que escrevemos a ordem das coisas, o enredo da história. Às vezes mais inspirados, por outras quase repetindo uma trama já lida.

Se seremos os primeiros a pisar na areia fofa, se pisaremos em cima de uma trilha anônima ou se teremos a segurança de pisar em nossos próprios passos é impossível prever. Mas uma coisa é certa: o prazer do exercício é garantido.

Pra você, Ro - 21/5/2014


“’Tumate’, alface e mamão você come em casa”. Essa era a Ro, na sua essência. Carioca da gema, era inconcebível para ela que pedíssemos em um jantar no restaurante uma frugal saladinha e fruta de sobremesa. Ela tinha razão. No dia em que soube de sua partida, ganhei um brigadeiro que veio com a seguinte frase: “A vida é muito curta. Comece pela sobremesa”. A Ro tinha razão. Ela sabia saborear uma sobremesa, uma amizade, um momento em família. Eterna inconformada com o jeito frio dos paulistanos, aqui ficou. Va lá, se estabeleceu entre Pinheiros e Vila Madalena, quase Rio. Tinha um quê antigo de quem preserva as amizades. Gostava de estar junto, se revoltava quando a gente não conseguia se ver. Foi minha primeira editora, lá nos idos da Revista Máxima, eu ainda solteira. Ro foi no meu casamento. E era claro o quanto ela estava feliz ali. Ela degustava a vida em todos os seus goles. Não deixava nada pra sobremesa. Ela acreditou em mim. Me tirou de um emprego seguro em uma agência pra ser free lancer na Editora Abril. Foi com ela minha primeira matéria publicada, lembro bem, sobre bicicletas. Ro escrevia como poucas. Eu tentava ser como ela. No texto e na vida. Mas não sou tão boa. No texto e na vida. Ela era leve, como um fim de tarde em algum posto de uma praia carioca. Ela era alegre, como se sempre estivesse com uma água de coco e amigos em volta. Ela tinha razão. Mas ela se foi. De repente. Sem aviso, sem dizer que sofria, sem compartilhar seus últimos momentos neste planeta. Ela se foi, de repente, para dor, surpresa e medo de todos nós. Por que, Ro? Por que não dizer que tinha câncer, por que guardar, por quê? Perguntas em vão, que se foram com ela, jornalista de mão cheia, amiga, mãe, carioca. Este texto não tem parágrafo, vai direto do começo ao fim, como foi sua vida. Sem paradas, sem breaks, sem espaço para lamentações. Ro, você certamente editaria muito este meu texto, deve ter muita palavra repetida, poderia ser bem melhor. Mas é isso que meu coração doído e apertado hoje consegue colocar pra fora. Dizem que os bons vão mais cedo. Não tenho dúvida. Você se foi. Com todos os sentimentos vividos, todas as dores sentidas, todas as frustrações e alegrias vivenciadas. Você não deixava pra depois. Comia com gosto a sobremesa como se soubesse que sua vida seria curta. Mas intensa. Real. Forte. Como você, Rosana Faria de Freitas. Amiga, mestre, querida. Sempre. A cada sobremesa que eu comer, com gosto, lembrarei de você. Porque tomate, alface e mamão a gente come em casa. Você tinha razão.