sábado, 15 de dezembro de 2012

Mulheres Invisíveis, 15/12/2012



Elas passam com seus véus pretos a cobrir faces, sonhos, quiçá esperanças. Elas passam. Invariavelmente acompanhadas. Filhos, marido. Ela de preto, ele de branco. Rostos que não se entreolham. Estranho. Uma aura de mistério e medo me assalta. Me sinto de fato estrangeira na terra dos sheikes. Eles não olham. Você não existe, você é mulher. Na terra dos homens. Turbantes, sandálias, roupas brancas compridas. Aura de respeito, de poder, de intolerância.

De ônibus a caminho de uma conferência mundial onde se tem a pretensão, a quimera quem sabe, de se conseguir um acordo entre 190 países sobre algo tão acima de qualquer suspeita como... destruir o mundo; do ônibus vejo a mulher a dirigir seu carro último tipo. Moderna, sem dúvida; rica, provavelmente; feliz, não sei. Mas ele está sempre lá. O véu. Bonito, colorido, de fino tecido. Mas a encobrir algo que uma mulher tem de mais seu, de mais pessoal, de mais diferenciador: seus cabelos. Escondidos. Por quê?

Sigo pela terra dos sheikes, sigo invisível. A maior saudade é de que alguém lhe deixe entrar primeiro no elevador. Gentileza, cordialidade, naturalidade. Sigo caminhando, sentindo, estranhando. Mas sigo invisível. Será que esses homens de fato não olham? Será que desenvolveram alguma habilidade especial de olhar sem se deixar perceber? Ou será que o desprezo é realmente o que guia seu não olhar?

Uma terra quente, das mesquitas, e rezas. Das rezas, de novo e sempre, e das estampas coloridas. Terra de Aladim e sua lâmpada mágica. Terra dos tapetes voadores, das mil e uma noites. Terra que povoa os sonhos de criança e que assombra as visões de adulta.

Terra com tantas clínicas de beleza e nada a se mostrar. Tudo por baixo da burca. Até os olhos, às vezes. Por quê? Meu por quê é mais profundo. Algo que nenhum livro de história, de usos e costumes responderá. Um por quê que encerra uma dúvida mais ampla. Da diferença dos países, das línguas, dos costumes, dos amores e irmãos. Um por quê que me faz ter medo de ir para tão perto de uma zona de guerra. Que me faz olhar no mapa e me perguntar se o mar ou oceano que me separará da Síria é suficientemente grande. Um por quê que me faz estranhar, e aceitar, a reza lamuriosa às 4 e meia da manhã. E que me deixa caminhar pelo mercado de Souq Waqif tão à vontade, mas ainda sem entender as lojas com centenas de burcas... todas pretas. O que há para escolher? É possível escolher? É possível desgostar? Retirar? Partir? Desafiar? Chorar? Partir?...

Volto à terra do sol e do povo amigo com mais dúvidas do que certezas. Volto 5 horas no tempo e olho imagens que lá ficaram. De arranha-céus majestosos e homens impiedosos. De mulheres cobertas e seus centros de beleza. Imagens de prosperidade e saudade, sentida a cada lamento da reza da madrugada. Volto agradecendo, de novo, por ter ido.

No aeroporto, a mesma sala de espera de dois anos atrás, a caminho da China. O mesmo impacto das burcas, agora mais assimilado. Estive em Doha a caminho da China. Me prometi evitar esta escala em futuras viagens. Melhor a velha e conhecida Europa. E lá estou eu de novo, na mesma sala de espera, após uma semana em Doha. O que mudou? Ampliou o mundo, a visão, os sentimentos, os inconformismos, os por quês. E, à medida que volto, retomo minha visibilidade. Deixo nos emirados árabes uma porção mulher solidária, mas duvidosa.

Prefiro assim.
Não gosto de ser invisível.