domingo, 15 de dezembro de 2013

Mandela: a força e o desejo de perdoar – 15/12/2013


Entre a ideia desta crônica e realmente escrevê-la, Mandela se foi. A crônica, agora, vira um misto de ontem e hoje. Das minhas impressões da viagem a Cape Town e as cenas impressionantes de um povo sofrido e feliz – talvez feliz porque sofrido – se despedindo de seu líder, de sua inspiração.

Adorei a África. Ok, a África do Sul. Ok, Cape Town. Mas adorei.

Nunca desejei ir ao continente africano. Já havia tido duas oportunidades anteriores e por algum motivo não acabou dando certo. Mas agora lá estava eu, na South African Airways, a caminho do país que abriga o ponto onde dois oceanos se encontram. Que romanticamente leva o nome de Cabo da Boa Esperança o local que um dia foi Cabo das Tormentas. Talvez neste “rebatizamento” já esteja o incrível dom dos africanos de transformar tormenta em esperança. Funeral em festa, despedida em celebração. Foram assim as cenas de Mandela na tv. Filas e filas de filhos dando adeus ao seu pai. Abençoados pelas crenças de seus orixás, sabem, porém, que o adeus é temporário. Sabem que devem brindar a vida. Cantam, dançam, choram também. “Madiba”, gritam. “Madiba”, veneram. Escolhem nesta hora o nome de batismo, da aldeia, das raízes. Também chamam por “Mandela”. Nunca por Nelson, o nome que lhe foi dado, imposto, para ser mais bem aceito.

Comecei a adorar a África no avião. Nada de comissárias modelos, sem nada fora do lugar, sem um grama a mais em seus corpos longilíneos. Não, mulheres e homens normais. Com seus corpos normais, frutos de uma vida; de uma história que passa longe dos holofotes das passarelas. Pessoas felizes, sorridentes. Sem quebrar o protocolo de tudo que tem que ser dito (apertem os cintos/se houver despressurização da cabine/desliguem seus celulares), o dizem com leveza, com alegria, de forma adoravelmente colorida. A África é colorida. Tons fortes, tons selvagens, tons de um continente desigual.

O Apartheid emerge de cada conversa na África do Sul. Ele ainda está ali, seja nos antigos bairros separados, que ainda carregam esta marca, seja nas elegantes ruas de Cape Town. A cena que o esperto jornalista conseguiu flagrar na fila para ver Mandela pela última vez representa tudo isso: negro e branco abraçados, vendo o homem que deu sua vida para libertar um país partindo rumo à espiritualidade. O negro consola o branco. O branco chora as lágrimas de uma história eterna.

A caminho do Cabo das Tormentas e da Boa Esperança as paisagens são de tirar o fôlego. A ida margeia o Oceano Atlântico e retornamos pelo Índico. Ou será o contrário? Não faz diferença. Dois oceanos, dois mares com suas histórias americanas, africanas ou asiáticas. Tanto faz. É lindo. Profundo, misterioso. Como tudo na África. Naturalmente vou perdendo meu medo cosmopolita de bichos. Ou tento lidar melhor com ele. Macacos, muitos. Ferozes, em cima dos carros, pelos caminhos, à espreita. Elefantes, não os vi. Mas sei que é a terra deles. E lá está minha mãe a me acompanhar, como sempre. Em cada elefante que compro pensando na sua coleção.

Chegar ao ponto mais extremo do continente é uma volta ao passado. Volta ao tempo dos desbravadores, dos conquistadores. O quanto evoluímos desde então. Mas o quanto ainda estamos presos ao passado. As cenas da vida de Mandela que todas as emissoras de tv não param de mostrar comprovam isso. Separações em função da cor da pele. Separações que nascem de corações embrutecidos. Faz tão pouco tempo, meu Deus.

O motorista me fala de Mandela. “As pessoas não querem deixá-lo ir. Mas precisamos deixar. Ele já cumpriu sua missão. Este homem cumpriu sua missão.” E esse motorista, que dirige uma van tão distante da minha casa, numa rodovia que margeia o Altântico -- ou o Índico, não importa --, que está estudando português e arranha algumas palavras, este motorista que me fala de futebol e da Copa no Brasil no ano que vem, este motorista me conta talvez a maior lição de Nelson Madiba Mandela. Ao sair da prisão, após 27 anos dedicados a mudar uma história, a primeira sentença que este Homem diz, após tão longa sentença cumprida em nome de um ideal, é para se perdoar. Deixar o passado para trás. Olhar pra frente. Construir um futuro. Impossível não pensar em Jesus: “Perdoe-os Pai, eles não sabem o que fazem”. Mandela sabia o que fazia. Saiu da Ilha de Robben para se tornar presidente de um povo, ídolo de um continente, exemplo do mundo.

Nunca tinha ido a lugar mais lindo em minha vida. Posso enfileirar: Taj Mahal, Muralhas da China, Torre Eiffel e Paris inteira, o muro agora galeria de arte de Berlim oriental, Londres, as praias brasileiras, nada é tão lindo como a Table Mountain. Uma montanha em formato de mesa no centro de Cape Town. A princípio, se pensa: ok, mais uma montanha que se sobe de teleférico. Ok, mais um ponto turístico. Nada disso. Encontrei as paisagens mais indescritíveis que já havia visto. Que me capturaram e me fizeram ficar ali, horas a fio, simplesmente sentada, apreciando o pôr do sol. Como nunca antes em minha vida. De um lado a cidade, claro. Mas de outro... os oceanos, canyons, pedras. Estonteante. Uma das maravilhas do mundo. Mandela esteve lá, deixou seu recado. Como em tudo.

Assim foi minha degustação da África. Da África do Sul. De Cape Town. Cidade de pessoas que cantam e dançam, ali, na rua, esperando um passageiro para o seu táxi. A quem digo: “Vocês são muito parecidos com meu povo”. Pessoas normais; bonitas porque normais. Pessoas sorridentes, acolhedoras; talvez acolhedoras porque sofredoras. Pessoas que levam nas costas o legado de um povo que viveu separado. Pessoas que viram seu mais famoso presidiário virar presidente de sua Nação. Unir um país. Semear a concórdia, amolecer corações endurecidos. Tornar-se modelo e exemplo de Humanidade.

Claro que ainda há muito a se avançar. Na África do Sul, no Brasil, nos quatro cantos do mundo. Muito ainda para que todos os cabos de tormenta se tornem cabos de boa esperança. Mas enquanto o nome de Mandela for mais do que apenas uma lembrança; enquanto tivermos na alma e no coração a certeza de que é possível um presidiário sair após 27 anos e ter o desejo de perdoar; enquanto paisagens como as de Cape Town nos fizerem simplesmente ficar a admirar, jogando fora o relógio e a racionalidade do dia a dia; enquanto pessoas sofridas sorrirem ainda teremos por que lutar, por que continuar. Celebrando a vida na despedida. Como hoje. Quando Mandela Madiba Nelson finalmente descansará, após uma semana de homenagens. Continue a olhar por nós, Mandela. Continue a nos fazer ter a força e o desejo de perdoar.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Massagens pelo mundo - 9/7/2013


Esta crônica merece uma introdução. Hoje é feriado em São Paulo, dia chuvoso, preguiçoso. Entro na internet, checo e-mails e, de presente, vejo as narrativas da Roberta. A TV estava ligada num canal qualquer quando ao esbarrarmos no controle remoto vai para o canal de músicas e o querido Djavan começa a cantar. Há convite mais persuasivo? Obrigatório mesmo de se aceitar? Acho que não. Agora, a crônica.

Sempre gostei de massagens. A pressão na pele, o contato que relaxa, que traz saúde, que nos torna mais prontos pra continuar. Por isso, quando viajo tento encaixar uma sessão de massagem. No Soho de Londres; nos hotéis de Doha e de Shenzen, na China; em Agra, Índia, bem pertinho do Taj Mahal; aqui do lado, em Florianópolis e, enfim, em São Paulo.

Estava caminhando por Londres, a caminho da Piccadilly, na melhor forma de estar em Londres. Caminhando, degustando, olhando, vivendo. “Massagem oriental”, claro, eu estava no Soho. A fachada não inspirava muito, mas, enfim, Londres. O que se há a perder? Entro. Antes de me dirigir à sala, converso com a atendente.

Procuro um remédio oriental, pra alma. Para a tristeza, a dor, a lancinante experiência de perder materialmente a minha mãe. Era tão recente, doía tanto – como ainda e sempre dói. Ela me deu envelopes com bolinhas em uma caixinha rosa que lembra o carinho de mãe. Várias bolinhas, para tomar ao longo do dia com água. “Para o stress”, diz a chinesa no seu inglês possível. Compro, levo, tomo por alguns dias. Deixo pra lá. Não há nada no mundo que cure essa dor, essa tristeza. Um pedaço de mim se foi, e não volta. Não nesta vida.

Mas voltemos à massagem. Desço uma escada escura. “Onde estou me metendo?”, berra minha mente ocidental e temerosa, moldada em cidades onde tudo e todos nos colocam à prova, constantemente. A sala tem a atmosfera oriental que eu esperava – e que tanto me aproxima de outras vidas, estou certa. Tons de vermelho e preto, pequena, com música aconchegante, e só. O restante está a cargo das mãos da experiente profissional.

Massagens são assim. Têm o dom de nos retirar um pouco do aqui e agora. De nos deixar transportar para o mundo das sensações, de nos fazer nos entregar ao toque, apenas sentir. Domar a mente, que quer sempre interromper este fluxo. Muito boa, relaxante, revigorante, profunda. Saio mexida, feliz. Sigo a caminhar rumo à alucinante Piccadilly. Volto pro agora. Mas um pouco mais preparada do que antes. Obrigada.

Esta crônica não segue uma ordem cronológica. Aqui, não, por favor. Sem regras. Vou agora pra Doha, Qatar, final de 2012, em meio às negociações do Clima. No último andar do hotel, cujas janelas amplas descerram uma paisagem bege de arquiteturas que não são familiares a meus olhos, marco a massagem. Tudo pronto, dirijo-me para a sala de espera. E espero. Espero. Espero. Para que eu não sinta saudades de casa. Finalmente, me encaminham. Nada de mais, uma boa massagem, que teve primeiro que relaxar minha tensão pela demora. “Até aqui lidamos com o que não funciona exatamente como deveria?”.

O mais importante da massagem em Doha é que... foi em Doha. Em meio a véus cobrindo todos os rostos femininos, que se esmeram nas maquiagens (pra quem ver?). Em meio a homens que andam à frente de suas mulheres. Em meio a um sentimento meu de não entendimento, de querer saber, de vontade de voltar pra minha terra e ter alguém a me dar a frente ao entrar no elevador (tudo isso rendeu uma crônica. Leia “Mulheres Invisíveis” aqui no blog). Massagem feita, volto para o quarto, que mais parecia um apartamento, dado os vários cômodos. Volto refeita, sim. E pronta para ouvir as rezas no meio da madrugada. Estou em Doha, afinal. Obrigada.

E a China? Enfim... a China. É lá, foi lá, estou certa. Retornar tem um sentido único, exploratório. Opto pelo hotel típico e não uma rede internacional. Quero sugar, sentir, inalar a China em tudo que posso, e devo. Lá, na pequena cidade de Shenzen, ao sul.

A massagem, claro, começa com um escalda-pés. Som ao fundo, a discreta profissional nem olha pra mim. Respeito, reverência, milhares de anos a cobrar-lhe a postura. Minha reverência não é menor. Ao receber o toque, relembro as lições milenares, a história legada, os ancestrais, os guerreiros de Chian, os sofrimentos atrás da construção da Muralha, o ritual inebriante do chá, a sapiência de sua medicina prevista no Livro Amarelo. A China. Sinto, recebo, viajo, agradeço. Nada se compara a uma massagem na China. Rendo-me a ela. Obrigada.

E ali, naquele pequeno hotel em Agra, a muitos e muitos quilômetros de Delhi, onde o apaixonado poderoso construiu o maior monumento ao amor, marco uma massagem típica indiana. Consigo ver ao longe partes do Taj Mahal. Nos jardins do hotel, os preparativos para um casamento. Um casamento indiano, podem imaginar? E eu indo para a massagem ayurvedica. Interessante. Forte, vigorosa. Indiana. A me lembrar da força deste povo, que se ampara em suas crenças, em sua religiosidade, no não visto, no além, no algo mais.

Massagem vigorosa, como tem que ser cada indiano, desde que se levanta até quando vai se deitar. A lidar com a pobreza, as carências, as dificuldades. E sempre com uma aura que desafia nosso entendimento, assusta até. Pela determinação. Saio da massagem comprando um creme indicado pela profissional. Um creme de fato cremoso, lembrando os mais hidratantes que já vi. Assim como a Índia, o creme penetra na pele, deixa sua marca emoliente, não me deixa esquecer daquele momento perdido, no interior da Índia, aos pés do maior monumento simétrico e desafiador que o ser humano já construiu. Obrigada.

E volto então a muitos anos antes, numas férias em Florianópolis. O hotel oferecia uma massagem-terapia. Seja lá o que isso significava, fui fazer. A profissional aplicava os movimentos e fazia perguntas, voltava na minha história, sentia minha emoção e tocava mais fundo. Até hoje não entendo exatamente o que se passou ali. Se de fato se passou assim como hoje lembro. Sei que chorei, muito, durante a massagem. Mistérios também residem aqui, no Brasil. Obrigada.

Por fim, um presente. Ganhar uma massagem tem um sabor especial. Alguém pensou em você e resolveu lhe dar este momento de prazer e relaxamento. Você não precisou se preocupar em comprar, escolher, nada. Apenas aproveitou. Em São Paulo. Meca de tudo, minha cidade. No melhor spa urbano. Obrigada.

E assim sigo lapidando corpo e alma, nas viagens físicas e mentais, nas massagens verdadeiras e espirituais. Obrigada.

domingo, 19 de maio de 2013

A gente não pode se acostumar - 29/04/2013


Era um vôo de volta de Brasília a São Paulo. Nada de novo. Cochilo um pouco. Depois acordo, levanto a janelinha e lá estava ele -- aqui está ele -- o Sol. Soberano, preguiçoso de fim de tarde, abençoando e acobertando as nuvens. Até onde a vista enxerga, o horizonte.

Como eu disse, nada de novo. TUDO NOVO.

Eu já tinha pensado isso antes. De que deveria, a cada vôo, independentemente de quantos fossem, não me acostumar a ver o céu, o sol. Não dormir. O tempo todo, olhar. Simplesmente olhar. Degustar o privilégio de ver o mundo lá de cima, o mais próximo possível -- quem sabe? -- da espiritualidade.

Lá de cima tudo fica pequeno. Os problemas (quais mesmos?) parecem mesmo pequenos.

Não me acostumar. Por isso, a cada vôo, acompanho os procedimentos de segurança, entre solidária com a comissária e seus gestos autômatos e um sentimento de "quem sabe é desta vez que eu precise usar a máscara que 'cairá automaticamente'".

É igual sempre. É novo sempre. Mudamos nós ou mudam as situações? É sempre um "bom dia, como vai?". Mas a cada vez é uma nova entonação, um novo pensar a embalar a voz.

Não se pode acostumar.

Seja com o céu azul majestoso na altura de Cruzeiro às mazelas do Centro da maior e mais rica cidade da América Latina.

Gosto de trabalhar no Centro de São Paulo. Não o troco pela Paulista, Faria Lima, Berrini. Preciso continuar a ver as pessoas dormindo nas ruas (até quando, meu Deus?) para não me desconectar da verdadeira realidade. Repugna, dá medo, entristece. E é um exercício não me acostumar. Não deixar virar paisagem. Incomodar.

O sol já está se pondo lá fora. Entramos no "procedimento de descida. Tripulação, preparar para o pouso".

Valeu o espetáculo, valeu a reflexão. De volta ao chão, ao Centro, à Terra.

Tentando continuar a ver, a me incomodar, a escrever.
Sempre escrever, acalma a alma.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Café da Manhã com Fábio Barbosa - 25/04/2013


Quando nosso grupo de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade, do MMA, articulou este encontro com o Fábio Barbosa, uma alegria acompanhada de ansiedade tomou conta de mim. Afinal, o Fábio. O Fábio, que sempre me inspirou e apoiou, do alto de sua posição e com talvez a maior dose de generosidade que já encontrei em um líder (pensando bem... não deveria ser assim um verdadeiro líder...?).

Foi uma manhã, como eu já imaginava, especial. Daquelas que você sai energizado e com a obrigação de passar adiante os ensinamentos, como fiz com minha equipe e como faço aqui. Estou falando de valores, de princípios inegociáveis que fazem a diferença em uma carreira, em uma vida.

Ouvir sua história, suas lições, suas reflexões me fazem pensar que, afinal, as coisas podem ter jeito. As instituições podem ser sérias, a política pode funcionar, as empresas podem ser lucrativas e – por que não – humanas. É como uma de suas máximas: “Você pode dar certo, fazendo a coisa certa, do jeito certo”. Simples? Sim. Todos fazem? Não. Talvez seja uma questão de evolução.

Algumas passagens me marcaram muito.

“O que é ético? Se você puder chegar em casa e comentar o que fez durante o dia deve ser ético.” Simples, não? Todos fazem? Provavelmente, não.

“Sempre trabalhei de bom humor. Quero contratar gente de bem com a vida. Pessoas de mal com a vida azedam o ambiente.” De novo, algo que pode parecer óbvio, mas não é. O mundo corporativo nos apresenta desafios a cada segundo.

Fico pensando no dia a dia de uma pessoa na posição de liderança máxima de uma organização, como o Fábio. Uma cara feia aqui e ali deveria ser comum, compreensível, até parte do ritual do cargo, quem sabe? Mas o que ele nos traz é o oposto. Tudo fica mais leve com um sorriso, a gente sabe. Se é assim na nossa vida pessoal, com a família, os amigos, a turma do clube, por que não pode ser no mundo corporativo? Pode, sim.

“Como é difícil colocar na mesa pessoas diferentes de você; como são inteligentes os que pensam como eu. Mas um bom time é feito de pessoas complementares.” Aqui está colocado o desafio da diversidade, de ouvir o oposto, de se propor a considerar pontos de vista diferentes do seu e ter a humildade de aprender com eles. Não sem dor. Porque o ser humano é egocêntrico por natureza; nossa cultura nos impele a isso. E pode doer abrir mão do conforto, ceder. De novo, evolução.

Pensar que o todo sempre pode ser maior e melhor do que a parte. Sonho? Talvez. Mas é como escreveu nosso querido Monteiro Lobato -- no tempo que a preta Tia Anastácia podia ser assim chamada sem patrulhas: “Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira – mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum”.

“Suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir você.” Outra frase que se tornou clássica na voz do Fábio resgata e coloca luz no que há de mais cristalino no ser humano: as suas atitudes, o seu “como”. Que chega sempre muito antes do seu “o que”.

Por fim, uma frase que ele já tinha me dito e que ao ouvir no café da manhã reforçou o quanto é animador ver que o Brasil conta com pessoas como ele em cargos de liderança e influência: “A vida sempre foi muito boa comigo”.

Quantas pessoas nos últimos meses você ouviu dizer isso? Quantas, das que você conhece, poderiam dizer isso? Na verdade, mais além: quantas vezes você já ouviu esta frase em sua vida, seja de quem for?

Confesso que ouvi apenas do Fábio. Ok, muitas pessoas podem também pensar desta forma; se sentem gratas, mas não falam abertamente. Mas o mundo que vivemos exige essa postura. É preciso mais exemplos, mais depoimentos, mais inspiração (de novo ela; sempre ela). Fábio Barbosa é assim. Agradeço a ele por isso. Por abrir o caminho, por estimular a jornada, por valorizar as pequenas e grandes coisas. E dizer ao mundo.

Aliás, pude presenciar isso ao assistir a uma palestra do Fábio, em 2009, em Londres, na entrega do Prêmio “Emerging Markets Sustainable Bank of the Year” (Financial Times/IFC), que tive a alegria de receber em nome do Itaú, onde estava à época. Depois de já tê-lo ouvido várias vezes no Brasil, foi a primeira vez que tive a oportunidade além-mar, em inglês. E tudo estava lá. A simplicidade e a profundidade.

É possível, portanto, ser verdadeiro. Aqui e acolá. É possível, sim, dar certo, fazendo a coisa certa, do jeito certo. Hoje e amanhã. Pensando bem... a vida também está sendo muito boa comigo.

sábado, 6 de abril de 2013

Riscos pela Sustentabilidade - 3/9/2009


Sei que vou correr alguns riscos ao escrever este artigo. Mas, afinal, um espaço como este não é necessariamente para mostrar certezas e verdades absolutas. Antes de mais nada, se presta a colaborar na disseminação e compartilhamento de reflexões, pensamentos, dúvidas até.

Sendo assim, vamos lá.

Nas palestras que faço, invariavelmente a abordagem do marketing à sustentabilidade é assunto presente. Confesso que tenho certa frustração em relação à forma como estes profissionais vêm lidando com o tema. Frustração no bom sentido, pois entendo que os “marqueteiros” (para usar um termo que pessoalmente não acho muito elogioso, mas que caiu no uso corrente) têm um papel muito importante no movimento de clarificação do que é, afinal, esta tal de sustentabilidade e de como ela pode e deve permear o tratamento dos produtos e marcas.

A reflexão que quero compartilhar com vocês vem, não só de minha observação, mas também de muitas conversas com estes profissionais, afinal, somos colegas na nossa matéria macro chamada Comunicação.

Para poder falar de qualquer assunto, nos baseamos nos nossos conceitos, premissas, aprendizados. Recorro, assim, à minha profissão, Jornalismo, para comparar como estes dois segmentos trabalham a sustentabilidade.

Ao meu ver, os jornalistas estão mais avançados no entendimento, tratamento e aplicação dos conceitos e práticas relacionados ao tema. Vejo os marqueteiros mais erráticos, com abordagens que variam bastante, algumas muito próximas do que de fato deveria ser o tratamento a abordagens completamente equivocadas.

Para mim, isso pode ser explicado, em parte, na raiz de cada profissão. Venha comigo: nós, jornalistas, aprendemos no banco da faculdade (sei que após a extinção da obrigatoriedade do nosso diploma este não será necessariamente o meio de aprendizado, mas para mim foi completamente útil e, sempre que puder, irei externar meu inconformismo com esta decisão) que a base de nossa atividade é o questionamento. É perguntar, ouvir os dois lados, inquirir. Montar uma boa história e contá-la, da forma mais fidedigna possível. Está na nossa raiz, no nosso sangue.

Ao longo de minha profissão, nas várias reportagens que fiz, sempre me abstive de me posicionar, por mais que concordasse ou discordasse de meu entrevistado. Isso, claro, poderia ocorrer como recurso de reportagem, mas jamais como colocação própria. O bom jornalista mais ouve do que fala.

Pois é, e o profissional de marketing? Correndo o risco de ser pouco profunda, mas com grande dose de certeza, vejo que nossos colegas foram formados justamente em outra direção. É o mercado que os guia, a venda, o convencimento. É claro que há uma escuta, mas ela está a serviço da formação de argumentos para se sobressair à concorrência.

Ora, estes dois ângulos explicam, ao meu ver, o tratamento da sustentabilidade pelo jornalismo e pelo marketing. O primeiro está cada vez mais se aprofundando, querendo saber as novidades, entendendo se o ângulo está correto frente às tendências, à Academia, às pesquisas. Quer acertar 100% nas palavras, nos fatos.

O segundo usa da sustentabilidade para diferenciar seu cliente, seu produto, sua marca. É permitida, aqui – como bem sabemos – alguma dose de exagero ou até incorreção. E não que isso seja má fé. Quando vemos anúncios assassinando, nem que seja sutilmente, a Língua Portuguesa, sabemos que o redator teve que fazer uma escolha entre a língua culta e a língua das ruas, do mercado, do seu público. Se isso é aceitável, cabe a cada um e ao juiz máximo, o cliente, decidir.

Como nada na vida pode ser radical, correndo o risco de deixar de fora do campo de visão grandes presentes, tanto jornalistas como marqueteiros podem e devem aprender uns com os outros. Clamo aqui por um fórum comum de comunicação, onde possamos debater e consensar como estes profissionais -- e os demais comunicadores, nossos valiosos RPs, por exemplo –deveriam atuar a fim de promover o urgente entendimento da sustentabilidade na sociedade.

Todos sabemos que o tempo está curto. Seja por um desastre natural antes impensável que bate à nossa porta, seja por uma crise financeira mundial sem precedentes, sabemos que o tempo urge. Precisamos encarar os temas de sustentabilidade de forma muito correta, profunda.

Os profissionais de comunicação têm um papel fundamental nesta agenda. Somos nós que ajudamos a amplificar, formar opiniões, convencer. O poder da comunicação, assim como todo poder, pode ser para o bem ou para o mal (guardadas aqui as devidas proporções do que é “mal”). Em termos de sustentabilidade, não há mais espaço para um poder que não construa. Um poder que não use cada oportunidade de aproximação com seu leitor, ouvinte, telespectador para conscientizar sobre de que mundo, afinal, estamos falando e precisamos (re)construir.

Clamo aqui por algo que pode soar até pueril. Clamo por um olhar maior sobre nossas atividades. É possível, e necessário, usar todos os recursos de jornalismo, marketing e relações públicas em prol – de novo -- do mundo que precisamos construir. Um mundo mais sustentável, mais justo, mais humano.

Não tenho a mínima dúvida de que as empresas e consumidores ao redor do mundo estão cada vez mais sensíveis e desejosos disso. Não podemos mais fugir a este desafio. Ele pede, no entanto, que abramos mão de fórmulas conhecidas e bem sucedidas. Correndo o risco, inclusive, de fracassar algumas vezes.

Mas, o que é a vida se não corrermos riscos...?

De tensões, frustrações e borboletas - 6/7/2009


De tudo que tenho lido sobre sustentabilidade, um dos assuntos mais constantes é o perfil do profissional que se dedica a este tema nas empresas. É possível elencar uma série de características, a partir de estudos, pesquisas, consultorias, artigos como este. Mas qualquer lista certamente será incompleta, e até certo ponto desanimadora.

Vamos fazer um exercício? Visão estratégica e integrada, flexibilidade, empatia, conhecimento do negócio, capacidade de influência e negociação, dinamismo, bom relacionamento, humildade, versatilidade, empreendedorismo, paixão pela causa, liderança, criatividade, obstinação... ufa! Quase um super-homem ou uma super-mulher.

Para dar minha contribuição ao tema, focarei em duas competências que julgo essenciais a partir da minha vivência diária no tema.

Gerador de tensão. O nome não é bonito nem melódico, mas retrata bem como vejo a evolução desta agenda. A construção da cultura e prática de sustentabilidade nas empresas, seja qual for seu histórico com o tema, se dá por movimentos de tensão.

Estamos sempre lidando com o que falta, com o que “deveria ser”, com “um pouco mais”. Afinal, a agenda da sustentabilidade é a agenda de uma nova gestão necessária a um novo mundo que se tornou, mais do que urgente, a única possibilidade de sobrevivência no longo prazo.

É a agenda do futuro. E não se constrói o futuro sem conflitos, sem tensão. É o movimento. A cada tensão superada, evoluímos um pouco. É o executivo que, antes tão cético, começa a abrir espaço na sua estratégia – e consequentemente na sua mente – para o tema. É aquela área que conseguiu achar seu caminho para inserir aspectos socioambientais no produto ou serviço.

Neste momento, tudo o que foi vivido durante o processo, vale a pena. É disso que vivemos. É isso o que nos alimenta e nos dá força na caminhada. Por isso, ser um “gerador de tensão” me parece uma boa definição para o profissional de sustentabilidade. Definição que, obviamente, carrega consigo as competências necessárias para se exercer bem este papel.

Uma dessas competências para mim é crucial e assim chego na segunda característica que quero destacar: resistência a frustração. A linha de raciocínio aqui é a mesma: gerar tensão, lidar com um assunto ainda não de domínio de todos, um assunto ainda em cheque e carecendo de entendimento e provas, não é algo simples.

Quantitativamente, ainda perdemos mais do que ganhamos. E o ser humano não gosta de perder. É difícil lidar com o “não”, com disputas de espaço (ser área transversal lida com isso cotidianamente), com propostas não entendidas e rejeitadas. Se fôssemos americanos, e não brasileiros, seria mais simples. A separação lá na terra do Tio Sam entre o profissional e o pessoal é bem clara. Aqui, não. Nos misturamos o tempo todo, as pessoas físicas e jurídicas, e todos os sentimentos inerentes a elas.

Mas há que se separar.Necessariamente temos que separar. A rejeição a uma proposta não significa a rejeição ao profissional e à sua competência. Vendo dessa forma, fica mais fácil de lidar.

Arrisco-me a dizer que a frustração a um projeto ou ideia no campo da sustentabilidade tem um peso maior do que uma proposta do “business as usual”. Falo isso como quem gerenciou as duas agendas simultaneamente em duas organizações. Aqui, há o peso da causa.

Não gosto da conotação que a palavra “militância” ganhou ao longo dos anos, mas acho que ela define bem o que quero expressar. Os profissionais de sustentabilidade são também conduzidos por uma militância à causa. Trabalhamos por um mundo melhor. No fim do dia, é isso. Por isso, o “não” nos pesa como a negação, não só a uma proposta, mas a um mundo que inequivocadamente precisamos construir.

Neste sentido, saber lidar com a frustração se torna um bem precioso. O gestor de uma equipe de sustentabilidade tem que ter isso na veia. Para si, sem dúvida, mas principalmente para liderar uma equipe com menos experiência de vida e jogo de cintura.

Bem sabemos que para enfrentar algumas situações adversas não há bula nem manual de instrução. Quem nos socorre nesta hora é mesmo a vida, a estrada, o caminho que nos deu aqueles calos tão preciosos e fez com que esses momentos possam ser conduzidos de forma mais tranquila e construtiva – não sem tristeza, sem dúvida.

Chego a este ponto com uma reflexão: estarei sendo muito amarga ao falar apenas de tensão e frustração em um artigo sobre o perfil de um profissional tão valioso nos nossos dias? Espero que não tenha soado assim.

Afinal, só conseguimos ver as borboletas, que são belas e inspiradoras, depois que elas saem de seus casulos, onde viveram processos dolorosos de evolução. O caminho da sustentabilidade é assim, belo, inspirador, transformador. Feito de degraus muitas vezes difíceis de serem subidos. Mas esta é justamente a beleza de se atuar nesta área.

Mudança de patamar- 18/02/2009


Como passamos ao “próximo nível” no terreno da sustentabilidade? O que provoca, de fato, a mudança?

É dado que quando falamos de sustentabilidade – um termo que ainda é mal compreendido ou muitas vezes confundido com conceitos pares, como investimento social -- a tensão é uma mola mestra. Falar de sustentabilidade, paradoxalmente, é falar de futuro (digo paradoxalmente porque o conceito sempre existiu, desde que o mundo é mundo). E o futuro é algo em construção, por excelência. Se não, estaríamos falando de um presente que se repetirá amanhã.

Mas o mundo não aceita mais “presentes”. No presente, falhamos. Temos, no entanto, a oportunidade de acertar no tempo que ainda está por vir. Mas, sendo o futuro algo que ainda não existe, ele pode assustar, inibir, coibir. É preciso coragem para encarar o futuro, para se jogar nele, para ser um protagonista dele. Por isso, muitas vezes há o receio, o esperar pra ver, a cautela. É o conforto do presente falando mais alto.

Ok, mas, mais hora menos hora, com medos, receios, recuos, teremos que subir a um novo patamar. É imperativo, é inevitável. O que fará, então, com que isso ocorra? Esta resposta pode vir de vários lugares: da experiência, dos estudos, das tendências, das pesquisas. Vamos ver o que as pesquisas nos dizem.

Duas delas, realizadas no final de 2007, pelo Ibope e pela FBDS – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável – com executivos de diferentes ramos de atuação, nos apontaram a mesma direção: as pressões externas, sejam da sociedade civil organizada, sejam de órgãos regulatórios, são os fatores que menos influenciam na decisão da inserção da sustentabilidade na agenda estratégica das empresas. O que mais motiva são fatores internos e de ordem competitiva, como agregar valor à imagem e estar em linha com a missão e valores da empresa.

Este não deixa de ser um dado surpreendente, principalmente quando olhamos a trajetória de luta e ativismo de organizações que fizeram e fazem a diferença. “É preciso, então, ‘bater mais’?”, me perguntou o grande companheiro de jornada Gustavo Pimentel, à época na ONG Amigos da Terra, durante encontro que realizamos na Febraban para apresentação das duas pesquisas. Minha resposta foi, e é, decididamente, não.

Por mais que saiba e vivencie diariamente o quanto certo nível de tensão é fundamental para ganho de espaço da agenda da sustentabilidade no dia-a-dia empresarial, não acredito no embate como fator alavancador. Não no longo prazo. Não de forma sustentável -- para usar um termo bem apropriado.

Sou da turma do diálogo, da convergência, da composição. Preservando-se, claro, os espaços e defesas que às vezes não terão ponto de intersecção pela natureza dos atores. Esta, aliás, é a riqueza do debate. Cada lado tem que se posicionar, tem que defender seus pontos de vista, tem o direito de se indignar. Mas tem que compor. Tem que achar o ponto onde o conforto se dá, e o avanço é possível, não, claro, sem algumas concessões. Mas a vida não é feita de concessões?

“Não bate, não. Vamos conversar.” Esta foi minha resposta ao Gustavo em meio a uma plateia que participava ativamente desta discussão. Uma plateia que se mostrava receptiva a este preceito milenar, o do diálogo. Mas basta ligar a televisão e constatamos que a humanidade ainda não passou nesta prova dos nove. Guerras insanas, e nada santas, se perpetuam frente a olhos incrédulos dos quatro cantos do mundo. Mas não podemos desistir. Se nascemos, crescemos, caímos e levantamos interagindo por meio do diálogo – em todas as suas formas -- temos que continuar acreditando nele como elemento de avanço da nossa agenda socioambiental.

Um fato concretiza para mim este caminho possível. No final de 2007, a mesma Amigos da Terra, que faz parte da BankTrack, rede internacional de ONGs que monitora instituições financeiras privadas, realizou em parceria com a Febraban, na sede da própria Federação, o pré-lançamento do novo relatório da instituição, com a avaliação das políticas socioambientais para financiamentos e investimentos de 45 bancos de todos os continentes que operam em escala internacional.

Segundo o relatório, os bancos assinavam políticas coletivas, o que é importante, mas havia uma crítica forte e um pedido para que se investisse mais em políticas setoriais e temáticas. É verdade, havia e há esta necessidade. E isso foi dito a uma plateia de bancos, na casa deles. Prova do diálogo possível.

“Este é um momento histórico”, disse Gustavo. Naquele momento, estou certa, avançamos um pouco no debate, trouxemos forças e fragilidades à luz. Talvez não tenhamos ainda subido um patamar, mas certamente ele ficou mais próximo. E só foi possível como consequência de um diálogo constante, estruturado e respeitoso. A meu ver, o único caminho de fato sustentável.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

No dorso da mão - Janeiro de 2013


Outro dia, no meio de um momento perdido da tarde, olhei para o dorso da minha mão e vi um pequeno machucado que já começava a cicatrizar.

Estranhei a pequena marca ali, há quantos dias, será? Não percebi nada, não senti nenhum arranhão, esbarrão, corte, nada. E ela já estava ali, há quanto tempo, meu Deus? Foi um sentimento engraçado, de invasão. Algo havia acontecido comigo, eu não tinha notado, e o machucado já começava até a cicatrizar.

Pus-me a pensar em quantas feridas não físicas vamos tendo pela vida que não percebemos. É uma tristeza aqui, uma pequena decepção ali, um sonho não realizado acolá, que talvez nem percebamos como dores de fato. Talvez pela crueza da vida, pela necessidade de correr-correr-correr sempre mais-mais-mais... Quem sabe?

E assim a gente vai tocando, e as feridas não notadas vão cicatrizando. Acho que assim como minha mão deu conta de tratar o pequeno ferimento ao qual minha razão não deu atenção, nossas proteções psicológicas vão colocando escudos emocionais em torno desses fatos.

Mas fico também a pensar que feridas não bem cicatrizadas podem reabrir (na verdade, até as cicatrizadas correm esse risco...). Podem querer reviver, cobrar o quinhão de olhar que renegamos no passado. Será que dói mais? Ou será que percebendo a dor desde o início a cicatrização é mais duradoura? Não sei.

Mas sei que somos assim, corpo e alma, matéria e espírito, dores materiais e emocionais. E alegrias também. Talvez eu estivesse tão bem naquela semana que o pequeno machucado do dorso da mão não se fez notar. Talvez uma alegria compense uma dor, uma perda, uma frustração, uma decepção. Não sei.

Talvez a compensação seja momentânea, talvez o momentâneo seja tão realizador que se estenda por mais do que o tempo que podemos contar em uma vida. Não sei.

Mas sei, ou acho que sei, que a vida é isso. Amores, dores, alegrias, lágrimas. Ferimentos reais, imaginários, notados, cicatrizados.

E sei, aprendi, que tudo passa. Como disse Rubem Braga, nos idos de 1952, em “A borboleta amarela”, “...no fim todos passam e tudo passa; o fim é um grande sossego e um imenso perdão”.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Nunca antes tinha chorado por quem nunca conheci -10/01/2013


Talvez este título seja exagerado, afinal. Já chorei em filmes, novelas (sim, gosto de novelas!), vendo uma cena trágica no noticiário. Mas nunca antes tinha chorado pensando na história de pessoas reais, vividas num passado não tão distante, no meu próprio País.

Pessoas que lutavam pela liberdade de, simplesmente, falar o que pensam (isso não é um direito, afinal?). Pessoas que abriam mão de seus sonhos comuns, de terem seu emprego digno, pagarem suas contas, terem suas famílias, viajarem nas suas férias. Pessoas que aceitaram viver clandestinas em troca da realização de um sonho. Um sonho de liberdade.

Não faz tanto tempo assim, afinal. Eu era criança, temíamos por meu pai, professor, sempre tão direto em suas opiniões. Eu não tinha muita clareza do que ocorria no Brasil naqueles tempos. Talvez nem hoje. Sim, porque ler é muito diferente de viver.

E aí chega uma novela. Amor e Revolução. Forte, bonita, verdadeira, dura.

"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu..."

E aí, assistindo aos capítulos da novela, começo a me transportar para aqueles tempos da ditadura. Por trás de cada sonho, de cada luta de cada personagem, os mesmos dramas humanos que vivemos hoje. A dúvida, o medo, a vontade de querer ser, fazer, conquistar, amar, e sorrir. Mas embalados por uma época de repressão.

"A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ..."

Querer mandar no próprio destino. Hoje, em tempos de 140 caracteres e um big brother 24 horas via internet, parece pueril. Mas as pessoas lutaram, não se calaram; e cometeram exageros também.

"A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir."

E aí, ouvindo Chico Buarque, a cada abertura da novela, choro. Penso no que viveram, no que perderam, quem perderam, como perderam. Penso no mundo. Volto a Doha, às mulheres cobertas por seus véus e seus homens a andar sempre na frente. Penso que as coisas não mudaram tanto assim, desde que o mundo é mundo. Mudam as guerras, os personagens, os lugares. Permanece a mesma irracionalidade humana.

"Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá..."

E a abertura da novela termina com uma rosa sendo colocada na ponta da arma em punho. Os olhos dela a colocar a flor. Os olhos dele a mirarem a arma em seus olhos amados. Amor, revolução. O que será que sobrou? Sonhos, ainda? Sonhos, afinal?

"A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou..."

Certamente várias serenatas deixaram de ser feitas. Outras se deram na clandestinidade, muitas se tornaram balela de um amante cansado, ingênuo. Mas eis que chega Herzog com sua história recontada. Um George Orwell às avessas. 1984 em 2012. Não foi suicídio. História recontada, família resgatada, ao menos. Afinal.

"A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá..."

"Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração..."

"O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou..."

"No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá..."

Procuro esta letra na internet (Ela, de novo. Ela, sempre). Está lá, no site. Ao lado do título, a data: 16 de maio, meu aniversário. Coincidência? Já deixei de acreditar nelas há muito tempo...