domingo, 19 de maio de 2013

A gente não pode se acostumar - 29/04/2013


Era um vôo de volta de Brasília a São Paulo. Nada de novo. Cochilo um pouco. Depois acordo, levanto a janelinha e lá estava ele -- aqui está ele -- o Sol. Soberano, preguiçoso de fim de tarde, abençoando e acobertando as nuvens. Até onde a vista enxerga, o horizonte.

Como eu disse, nada de novo. TUDO NOVO.

Eu já tinha pensado isso antes. De que deveria, a cada vôo, independentemente de quantos fossem, não me acostumar a ver o céu, o sol. Não dormir. O tempo todo, olhar. Simplesmente olhar. Degustar o privilégio de ver o mundo lá de cima, o mais próximo possível -- quem sabe? -- da espiritualidade.

Lá de cima tudo fica pequeno. Os problemas (quais mesmos?) parecem mesmo pequenos.

Não me acostumar. Por isso, a cada vôo, acompanho os procedimentos de segurança, entre solidária com a comissária e seus gestos autômatos e um sentimento de "quem sabe é desta vez que eu precise usar a máscara que 'cairá automaticamente'".

É igual sempre. É novo sempre. Mudamos nós ou mudam as situações? É sempre um "bom dia, como vai?". Mas a cada vez é uma nova entonação, um novo pensar a embalar a voz.

Não se pode acostumar.

Seja com o céu azul majestoso na altura de Cruzeiro às mazelas do Centro da maior e mais rica cidade da América Latina.

Gosto de trabalhar no Centro de São Paulo. Não o troco pela Paulista, Faria Lima, Berrini. Preciso continuar a ver as pessoas dormindo nas ruas (até quando, meu Deus?) para não me desconectar da verdadeira realidade. Repugna, dá medo, entristece. E é um exercício não me acostumar. Não deixar virar paisagem. Incomodar.

O sol já está se pondo lá fora. Entramos no "procedimento de descida. Tripulação, preparar para o pouso".

Valeu o espetáculo, valeu a reflexão. De volta ao chão, ao Centro, à Terra.

Tentando continuar a ver, a me incomodar, a escrever.
Sempre escrever, acalma a alma.

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