sexta-feira, 2 de novembro de 2018
FUI
Minha geração não nasceu com um computador/tablet/iPhone nas mãos. A infância foi pulando corda, brincando de queimada, batalha naval (no papel), bonecas (de verdade ou de papel), coisas assim. Na faculdade de jornalismo, as matérias ainda eram feitas em máquinas de escrever (manual. Elétrica era luxo). Quando comecei nas agências de comunicação e revistas, as matérias ainda eram compostas via paste-up. As revisões não eram feitas com a praticidade do apertar uma tecla, apagar, corrigir. E sim marcando-se as correções com caneta para o trecho ser reimpresso e colado de novo.
Para além de saudosismo (que tenho com todo orgulho), esse “nariz de cera” (termo do velho e bom jornalismo, quando a gente começa uma matéria literalmente “enrolando”) é pra dizer que ao mesmo tempo que amo o Facebook – por tudo o que me proporciona em termos de relação – e o WhatsApp – por permitir que eu esteja com quem amo instantaneamente – algumas modernidades me incomodam. E muito.
E é aí que entra o FUI que dá título a essa crônica.
Veja a situação: você faz parte de um grupo de amigos no WhatsApp (de AMIGOS. Porque não participo de grupos que tenham pessoas de que não gosto, por óbvio. A vida já é muito complicada para fazermos isso conosco mesmos) e de repente surge uma divergência. É da vida. A vida é feita de divergências. Às vezes a gente lida melhor com elas, às vezes mais apaixonadamente (afinal, somos seres humanos e, portanto, imperfeitos). Mas, lembrando, estamos entre AMIGOS. Então, tudo bem né? (Será?). E aí a conversa pode ficar mais difícil, mais nervosa, mais delicada. Mas estamos entre AMIGOS (né?).
E aí, de repente (é sempre de repente, notem), sua AMIGA decide ir embora, partir, sair do grupo, romper. Até aí, ok, pode acontecer de se querer ir embora. É da vida. A vida é feita de encontros e despedidas, de escolhas. Mas meu chip de fábrica – que é das cordas, da queimada, da batalha naval no papel e do paste-up – aprendeu que um rompimento (seja entre namorados, amantes, irmãos, amigos) deve precedido de uma mínima conversa, uma troca de mensagens, uma ligação, enfim, alguma interação.
Mas aí você lê, de repente (é sempre de repente, notem), um FUI no grupo de WhatsApp. E sua AMIGA (não raras vezes de anos, de uma vida), vai embora. Sem te dar e dar ao grupo a possibilidade de continuar conversando, de evoluir na dificuldade, de buscar esquinas de encontros, de esclarecer o que doeu (sim, eu sei, é difícil falar sobre o que dói. Às vezes é mais fácil tomar uma decisão unilateral).
Então sua AMIGA, com sua verdade unilateral, digita um FUI. Um FUI que é onipotente e que detém a verdade. “Só que não”, como diz a geração atual. Não. Esse FUI encerra uma meia verdade. A verdade do lado de quem foi. Tem sempre a verdade do lado de quem ficou. Mas esta verdade cai no vazio, no desprezo, até. Porque sua AMIGA foi embora. Saiu do grupo. Escolheu excluir você e os demais do grupo de sua vida. Assim. Com um FUI.
Isso também é uma escolha.
É por isso que algumas modernidades me incomodam. Como essa possibilidade digital simples e vã de ir embora tão facilmente. Impondo aos demais o silêncio ditatorial. Já que a pessoa (minha AMIGA) não ouvirá o desdobrar das conversas após o seu FUI, porque saiu do grupo. Escolheu assim, o lado mais fácil de não ouvir o que os outros tinham a dizer após a explicitação da sua dor. Escolheu ir. Com um simples teclar no SAIR DO GRUPO. E deixou anos de amizade ali, no vazio do grupo de WhatsApp.
Enfim, escolhas. O mundo é feito delas. E por isso escolhi escrever uma crônica sobre como me sinto quando isso acontece. E encerro clamando por mais conversas antes do FUI. Para que o FUI, se de fato se der, seja natural. E não um rompimento. Porque a vida já tem muitos rompimentos não escolhidos.
quinta-feira, 16 de agosto de 2018
Mãe. Teu sinônimo é amor.
10 anos, 10 meses, 10 dias, 10 minutos ou 10 segundos?
Parece que foi ontem. Hoje até. Sua partida. Mas já faz 10 anos, Mãe. A gente pensa que não vai sobreviver. Mas acaba conseguindo. Não sem dor, saudades, pensamentos de “Como seria se você estivesse aqui? O que você me diria nesta ou naquela situação?”...
A dor é tão grande ainda, e sempre, que a gente tenta não pensar, sublima, desvia o pensamento teimoso. Mas isso não é justo. Justo com você, conosco, com nossa história, com nosso amor. Então também me esforço hoje, 16 de agosto de 2018, quando completamos 10 anos da sua partida, em pensar que parece que foi ontem não só esse dia tão sofrido mas também todas as alegrias que vivemos juntas.
Parece que foi ontem que você me incentivou a participar do concurso de redação do jornal de bairro O Parque, que depois de dois anos de tentativa eu ganhei e me valeu a bolsa de estudos para o cursinho do Anglo.
Parece que foi ontem que você foi a Atibaia para ver minha estreia como locutora na Rádio Antena 1.
Parece que foi ontem que você acolheu com tanto carinho o Elmo na nossa vida.
Parece que foi ontem que você comemorava a cada matéria que saía sobre mim nos jornais e revistas e carinhosamente as colocava em cima da lareira para todos verem.
Parece que foi ontem que você vibrava com meus jogos de vôlei e dizia que eu tinha um ótimo saque.
Parece que foi ontem.
Mas estamos no hoje.
E hoje só quero vibrar amor.
Porque foi isso que você ensinou, legou, doou, entregou.
É hoje, Mãe. Será sempre, amada. Até a eternidade, quando nos veremos de novo. Te amo.
domingo, 1 de julho de 2018
Ela virou Luz (em homenagem a minha querida Tia Jane)
Passa. Certamente passará.
Mas dói. Certamente dói.
Um dia, de repente, ou não tanto assim, a presença se faz ausência. A mente não consegue entender, demora pra assimilar. Procura, olha, chama. Mas não recebe resposta. Ainda não. Mas receberá. Quando o tempo necessário da Terra transcorrer um pouco. Quando as inevitáveis tarefas do dia a dia começarem a tomar mais espaço do que a dor, a gente começa a ouvir a resposta. Demora ainda. Mas chega esse dia. Dia em que a gente consegue falar o nome, olhar uma foto, conversar sem chorar. Dia em que as lembranças passam a mais aquecer o coração do que machucar a alma.
Chega esse dia.
Acreditem.
A Pessoa Amada também precisa desse tempo. Porque virou luz. Mas, como em todo renascimento, precisa de tempo. Sempre ele. Dono de nós, amigo, carrasco, conselheiro. O tempo que afaga, acalma, explica, consola. Ela virou Luz. Vai brilhar. Daqui a pouco. Aquecendo o céu e os anjos com seu sorriso fácil. Enviando a nós carinhos em forma de sonhos. Vai brilhar. A cada momento difícil na Terra, nos Natais e aniversários, de vida e de partida. Vai brilhar. E a gente voltará a sorrir.
Acreditem.
Chega esse dia.
Não sem dor. Mas com amor. Hoje é dilacerante, amanhã menos intenso, depois de amanhã, inexplicavelmente vira uma brisa que vem num final de tarde a nos lembrar que a vida continua. Que todos continuamos.
Ela virou luz.
E já brilha lá.
Mas dói. Certamente dói.
Um dia, de repente, ou não tanto assim, a presença se faz ausência. A mente não consegue entender, demora pra assimilar. Procura, olha, chama. Mas não recebe resposta. Ainda não. Mas receberá. Quando o tempo necessário da Terra transcorrer um pouco. Quando as inevitáveis tarefas do dia a dia começarem a tomar mais espaço do que a dor, a gente começa a ouvir a resposta. Demora ainda. Mas chega esse dia. Dia em que a gente consegue falar o nome, olhar uma foto, conversar sem chorar. Dia em que as lembranças passam a mais aquecer o coração do que machucar a alma.
Chega esse dia.
Acreditem.
A Pessoa Amada também precisa desse tempo. Porque virou luz. Mas, como em todo renascimento, precisa de tempo. Sempre ele. Dono de nós, amigo, carrasco, conselheiro. O tempo que afaga, acalma, explica, consola. Ela virou Luz. Vai brilhar. Daqui a pouco. Aquecendo o céu e os anjos com seu sorriso fácil. Enviando a nós carinhos em forma de sonhos. Vai brilhar. A cada momento difícil na Terra, nos Natais e aniversários, de vida e de partida. Vai brilhar. E a gente voltará a sorrir.
Acreditem.
Chega esse dia.
Não sem dor. Mas com amor. Hoje é dilacerante, amanhã menos intenso, depois de amanhã, inexplicavelmente vira uma brisa que vem num final de tarde a nos lembrar que a vida continua. Que todos continuamos.
Ela virou luz.
E já brilha lá.
sábado, 9 de junho de 2018
Nós, sós, sóis
Nós estamos sempre próximos, ou nos aproximando. Nós. Família, amigos, colegas do trabalho. Terceira pessoa do plural. Plural que inclui, soma, agrega, reúne. Aquece a solidão, aumenta os sorrisos, oferece um ombro ou um colo. Nós. Uma vogal aquecida por duas consoantes. Um “N” imponente, até certo ponto autoritário. Mas talvez no ponto exato em que sua altitude e atitude dão segurança sem sufocar. E um “s” por excelência sinuoso, matreiro, envolvente, com suas curvas que escondem carinhos e seduções. Nós. Mas há aqueles momentos em que, mesmo tão juntos, estamos sós. Faz parte. Às vezes o plural não é suficiente para o espaço infinito do Eu. E sai de cena o “N” para dar lugar a outro “s”, maiúsculo agora. Como maiúscula muitas vezes é a dor que nos faz ficar sós. Que transforma o Nós em Sós. E tem também aquele momento em dobro. Dos nós-nós. Quando nós nos enroscamos de tal forma que criamos nós. Difíceis de desatar. Um verdadeiro enigma. Como saber onde está aquela parte mais dura que atrapalhou o caminho suave do fio? Do novelo? De nós? Paciência, amor, inspiração. E vamos indo. Uma hora desata. Ou não. Mas vale sempre tentar. Por fim, quando cansados de estarmos sós resolvermos abrir a janela do coração, é possível que um “i” esbelto o suficiente para passar pela fresta pequena que abrimos entre e se esgueire por entre o “ó” e o “s” final. Finalmente criando “sóis”. Sim, porque neste momento de retomada um sol só é pouco.
sábado, 24 de março de 2018
Cadê
O ser humano gosta de rotinas. Ou, ok, eu, um ser humano taurino, gosto de rotinas. Criar vínculos, laços, conhecer pessoas, voltar aos mesmos lugares e ser chamada pelo nome. Gosto disso. Talvez por isso não encontrar a cafeteria, a loja de calçados, a doceria no mesmo lugar de sempre me cause certa nostalgia. Para aonde foram as pessoas que me atendiam? E que entendiam esse meu jeito? As pessoas com as quais conversei, confidenciei, ouvi e falei? As moças simpáticas do Amor aos Pedaços da Zona Leste, que sempre me recebiam quando eu saía da sessão de terapia aos sábados? Que foram solidárias com a minha trombose, que também ficaram receosas com a doença pelo tanto que ficavam em pé? Onde estão? Para aonde foram? Será que lembram de mim? Se foram. Assim como a doceria. Do dia pra noite.
E a minha loja de produtos naturais ali do lado do supermercado? Eu era adolescente, naquela época havia poucas lojas do tipo. Vendiam produtos naturais e as cobiçadas alpargatas, quando as Havaianas ainda nem pensavam em produzi-las. O sentimento aqui foi de uma era se indo. Uma geração, a minha mocidade. Mas cadê também a Brunella, ali perto do Shopping Ibirapuera, quase na frente do Tommy, aquele fliperama badalado que eu nunca fui porque era nova demais? Cadê a casa do meu avô, atrás da Faculdade que a comprou? Foi com ela meu avô, os almoços de domingo com minhas primas. Corríamos pela casa, assaltando escondidas o armário de salgadinhos. Cadê?
Mas tem muito mais que eu poderia lembrar. Os locais, as pessoas, os momentos, chegam e vão. Ficam o tempo que o tempo permite. E vão. Mas ficam também. Na lembrança, no coração, na certeza de que conversas jogadas fora numa doceria não são só conversas jogadas fora. São trocas. E quando a gente troca a gente dá. E recebe. E guarda pra vida. E lembra sempre. Mesmo passando em frente e não vendo mais.
E a minha loja de produtos naturais ali do lado do supermercado? Eu era adolescente, naquela época havia poucas lojas do tipo. Vendiam produtos naturais e as cobiçadas alpargatas, quando as Havaianas ainda nem pensavam em produzi-las. O sentimento aqui foi de uma era se indo. Uma geração, a minha mocidade. Mas cadê também a Brunella, ali perto do Shopping Ibirapuera, quase na frente do Tommy, aquele fliperama badalado que eu nunca fui porque era nova demais? Cadê a casa do meu avô, atrás da Faculdade que a comprou? Foi com ela meu avô, os almoços de domingo com minhas primas. Corríamos pela casa, assaltando escondidas o armário de salgadinhos. Cadê?
Mas tem muito mais que eu poderia lembrar. Os locais, as pessoas, os momentos, chegam e vão. Ficam o tempo que o tempo permite. E vão. Mas ficam também. Na lembrança, no coração, na certeza de que conversas jogadas fora numa doceria não são só conversas jogadas fora. São trocas. E quando a gente troca a gente dá. E recebe. E guarda pra vida. E lembra sempre. Mesmo passando em frente e não vendo mais.
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