segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
Ele varria a calçada - 25/01/16
Por que ficamos tanto tempo longe de coisas que nos fazem bem? Por que demoramos a marcar aquele café, um papo gostoso, o vinho esperado, a conversa há tanto adiada? Por quê? Por que demoro tanto a trilhar os caminhos mágicos de escrever minhas crônicas? Os temas ficam ali, a bailar na minha mente; o convite fica parado no ar, como a mão estendida esperando ser pega, fica ali, balançando no ar, triste, sozinha. Por quê? As explicações não são nada muito elaboradas ou filosóficas. Simplesmente por que... deixo para depois. Quando estiver menos cansada, quando tiver um lugar mais acolhedor para escrever, quando, quando... Quando? Será que nunca desceremos do altar arrogante de ‘donos do tempo’? Não o somos. O amanhã pode não chegar. Ou vir carregado de outras preocupações, de outros momentos, de outras sensações, de outros “por quês”. E aí o café, o papo gostoso, o vinho esperado, a conversa adiada perderão o sentido. Ficarão ali, no passado. Passou. E não seguramos a mão perdida no espaço. Que pena.
Mas como sempre podemos escrever uma nova história, uma nova crônica, desde que de fato queiramos fazer isso, cá estou, de volta. Com a firme determinação... firme? Hum... melhor apenas “com a determinação”. Determinação? Hum... melhor apenas “cá estou”. Assim, no presente. Sem promessas a mais. Cá estou, escrevendo de novo. Em homenagem à doce Rebeca, que me deu o presente lindo de ler minhas crônicas, comentar, se emocionar, perder horas de sono, titubear em mandar uma mensagem (deveria ter mandado, Re!). Obrigada por essa emoção, querida. Cá estou. Cá está a nova crônica. Espero que goste.
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A cena era banal. Normal mesmo. Início de dia, dirigindo para o trabalho, parada num farol. Música no rádio, entremeada de notícias (ninguém é de ferro. Ir da hard news para Ana Carolina ajuda a prosseguir), pensamento solto. Talvez no dia anterior, talvez no dia atual, talvez no futuro, não lembro. Cabeça encostada, esperando o verde chegar (Ele chega. Sempre chega. Às vezes demora. Precisamos ficar atentos, no entanto, para quando o farol abrir acelerarmos de fato. Sem perder o tempo e ter que esperar o próximo verde).
Esse farol é demorado. Que bom. Olho para o lado e de repente a cena se desenha, se desenvolve, acontece. Deveria estar em um teatro, com pagantes sedentos de alguma distração, profunda ou não. Mas estava ali, na rua, no dia que começa, simples e profunda. Talvez apenas com meus olhos a assistir (Será que alguém mais a viu? Será que alguém mais se emocionou? Será que alguém mais fez uma crônica, uma música, um soneto em homenagem a essa cena, como faço hoje?).
Ele varria a calçada.
Maltrapilho, sujo.
Ironia -- limpando os restos jogados pelos pedestres.
Ele varria a calçada.
Da rua onde morava, do seu lar. Varria a calçada de sua casa. Estico o olhar para além dele. Vejo seus trapos, também chamados de cama. Vejo um fogareiro que deve aquecer – e queimá-lo por vezes – nas duras noites frias. Vejo a vassoura. Sim, ela. Por que um morador de rua teria justamente uma vassoura? Se a visse fora de ação, encostada na parede de “sua sala”, poderia dizer que era para se proteger de algum outro maltrapilho durante a noite. Poderia dizer que era para afastar algum gato ou cachorro insistente e também carente de amor. Poderia dizer tantas racionais explicações. Mas acho que
não chegaria à verdadeira.
A vassoura cumpria para esse morador de rua sua real função: varrer, limpar, dar leveza. Aqui, dignidade. Ele varria compenetrado e sério. Sem nenhum compromisso depois a cumprir, sem tv para ligar e aliená-lo, sem filho para arrumar para a escola, sem esposa a fazer um cafuné antes do trabalho. Ele varria. Algo o levava a manter aquela calçada minimamente limpa. Talvez a lembrança de uma casa – todo mundo teve uma casa um dia, eu acho. Acho... Talvez a vassoura fosse uma ponte que o mantivesse ligado a uma rotina normal. Certamente, ele seria interrompido em breve. Era início de dia. Muitas pessoas teriam que subir e descer aquela rua, passar ao seu lado. Ele estaria atrapalhando, por certo. Andariam correndo, esgueirando-se para não se encostar nele, recriminá-lo-iam em silêncio, se sentiriam incomodados por aquele homem ali, simplesmente ali, com seus objetos – sua casa – a atrapalhar o movimento.
Ele varria.
Eu olhava.
E o farol abriu.
Segui.
Mas nunca me esqueci daquela cena. Passei outras vezes lá, ele lá se mantinha. A “parede de sua sala” dá para os fundos de uma igreja. Abençoado seja. Ele, sua vassoura, seus sentimentos que o fazem continuar. Abençoados sejam os fiéis que frequentam esse santuário e, certamente, já lhe deram muitas gorjetas.
Ele não me viu. Nada sou. Não sabe a diferença que fez em meu pensamento. Não sabe que escrevi esta crônica para ele. Não sabe que nunca mais olhei uma vassoura do mesmo jeito. Abençoado seja.
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