quarta-feira, 21 de maio de 2014

Pra você, Ro - 21/5/2014


“’Tumate’, alface e mamão você come em casa”. Essa era a Ro, na sua essência. Carioca da gema, era inconcebível para ela que pedíssemos em um jantar no restaurante uma frugal saladinha e fruta de sobremesa. Ela tinha razão. No dia em que soube de sua partida, ganhei um brigadeiro que veio com a seguinte frase: “A vida é muito curta. Comece pela sobremesa”. A Ro tinha razão. Ela sabia saborear uma sobremesa, uma amizade, um momento em família. Eterna inconformada com o jeito frio dos paulistanos, aqui ficou. Va lá, se estabeleceu entre Pinheiros e Vila Madalena, quase Rio. Tinha um quê antigo de quem preserva as amizades. Gostava de estar junto, se revoltava quando a gente não conseguia se ver. Foi minha primeira editora, lá nos idos da Revista Máxima, eu ainda solteira. Ro foi no meu casamento. E era claro o quanto ela estava feliz ali. Ela degustava a vida em todos os seus goles. Não deixava nada pra sobremesa. Ela acreditou em mim. Me tirou de um emprego seguro em uma agência pra ser free lancer na Editora Abril. Foi com ela minha primeira matéria publicada, lembro bem, sobre bicicletas. Ro escrevia como poucas. Eu tentava ser como ela. No texto e na vida. Mas não sou tão boa. No texto e na vida. Ela era leve, como um fim de tarde em algum posto de uma praia carioca. Ela era alegre, como se sempre estivesse com uma água de coco e amigos em volta. Ela tinha razão. Mas ela se foi. De repente. Sem aviso, sem dizer que sofria, sem compartilhar seus últimos momentos neste planeta. Ela se foi, de repente, para dor, surpresa e medo de todos nós. Por que, Ro? Por que não dizer que tinha câncer, por que guardar, por quê? Perguntas em vão, que se foram com ela, jornalista de mão cheia, amiga, mãe, carioca. Este texto não tem parágrafo, vai direto do começo ao fim, como foi sua vida. Sem paradas, sem breaks, sem espaço para lamentações. Ro, você certamente editaria muito este meu texto, deve ter muita palavra repetida, poderia ser bem melhor. Mas é isso que meu coração doído e apertado hoje consegue colocar pra fora. Dizem que os bons vão mais cedo. Não tenho dúvida. Você se foi. Com todos os sentimentos vividos, todas as dores sentidas, todas as frustrações e alegrias vivenciadas. Você não deixava pra depois. Comia com gosto a sobremesa como se soubesse que sua vida seria curta. Mas intensa. Real. Forte. Como você, Rosana Faria de Freitas. Amiga, mestre, querida. Sempre. A cada sobremesa que eu comer, com gosto, lembrarei de você. Porque tomate, alface e mamão a gente come em casa. Você tinha razão.

Um comentário:

Regina disse...

A vida é curta, muito. Descobri isso há pouco tempo e não estou gostando. Lindo texto.