sábado, 26 de dezembro de 2009

Dos girassóis de Van Gogh ao terremoto de Kobe

O que explica uma emoção? Aquela lágrima que de repente surge trazendo à tona o turbilhão de sentimentos que estamos vivendo naquele momento? Difícil responder, impossível até. Quer dizer, os especialistas do tema certamente têm milhões de teorias, algumas bem prováveis até.
Mas para nós, pobres mortais que subitamente somos tomados por uma emoção doida, sem controle, arrebatadora, só nos resta – e que bom – senti-la. Deixar-se sentir.

Foi assim comigo. Ou melhor, é assim comigo, várias vezes. Mas foi assim, exatamente assim comigo, em duas especiais vezes. Em locais que de comum têm o continente: a Europa. Foi desta forma, sem aviso e definitivamente que a emoção me assolou em Amsterdam e em Londres.

Observando Van Gogh e vivenciando o terremoto de Kobe.

O Museu Van Gogh é um espetáculo à parte. Mesmo para quem não é muito fã de museus. Impossível não se deixar levar pelos corredores a cada tela que nos remete ao imaginário de uma vida. Imaginário que nos chegou por filmes, notícias, livros. O imaginário e a realidade da obra de Van Gogh. As telas são de uma verdade brutal. As tintas parecem pular das paredes, que se tornam telas gigantes limitadas por molduras. Tudo parece suspenso, a cada passo, por cada sala.

E eis que eles surgem. Os girassóis. Amarelos.

Este é o único adjetivo que me vem à mente. Vários tons de amarelo, laranja, marrom. Os girassóis estão ali, com um fundo que faz com que pareçam recém-colhidos. Vivos, muito vivos. A tela traz o sol para a sala. A tela ilumina teimosa e surpreendentemente nós, pobres admiradores. Como não chorar? Como não deixar esta emoção aflorar - e este definitivamente é o verbo certo para este momento. 1889. Este foi o ano em que Van Gogh pintou os famosos Girassóis. 2008. Este foi o ano em que tive o privilégio de me emocionar com eles.

Da mesma forma que a natureza nos presenteia com girassóis da cor do sol ela nos abala, sem mandar aviso. No Museu da História Natural, em Londres, revivi, de forma absolutamente artificial e controlada, o momento em que o terremoto de Kobe derrubou tudo em um supermercado local. Mas era incrível como aquele chão que tremia de forma randômica a cada x minutos me transportava para aquele modesto supermercado. Uma tevê reproduzia as cenas do supermercado real. Aqui, visitantes balançavam, segurando em corrimões frios. Ali, na tela, as pessoas que eram filmadas pelo circuito interno viviam momentos de desespero e incerteza. Incerteza de que voltariam a caminhar em terra firme, vivos e seguros.

Repeti algumas vezes a simulação.
Saí de lá, sentei, chorei.

Como não se deixar levar pelo sentimento arrebatador da natureza mostrando sua fúria, mesmo que num supermercado fake, de um museu londrino? Naquele momento, me lembrei de Van Gogh. Me pus a pensar em como o ser humano tem tanto a viver e sentir. Tantas vidas, tantos países, tantas épocas diferentes. Tantas dores e amores. Do amor da tela de Van Gogh, que me acariciou com seus raios de sol em forma de girassóis, à dor de um supermercado destruído no Japão, nada mais a dizer. Apenas sentir. E chorar.

(Glênia, esta crônica é dedicada a você, que cobrou novas postagens... Obrigada pelo incentivo! Beijos, So)

sábado, 2 de maio de 2009

Dia 16

Você sempre gostou do dia 16, mãe.
Dizia isso para mim. Sempre perto do meu aniversário, no dia 16. Não sei se havia alguma outra lembrança que a fizesse gostar desse dia. Mas a mim bastava saber que era por causa do meu aniversário.
E você sempre era a primeira a me dar parabéns. Cansada que fosse, me telefonava sempre à meia noite do dia 15 para 16 de maio. “Parabéns filha...”. Eu já esperava. Era meu primeiro e mais caro presente. Um acalanto, um carinho.
Você se foi no dia 16, de agosto. Por que será mãe?
Impossível não associar as coisas. Será que devo pensar que foi seu renascimento, sendo, assim, uma relação até espiritual com o meu renascimento (dado que a cada aniversário certamente renascemos)?
Não sei. Na verdade, não quero saber. O tempo passa, mas não cala esta dor, este inconformismo, esta tristeza. Será que algum mês de maio de algum ano que está por vir me encontrará de novo feliz?
Maio, mês das mães, mês das noivas, meu aniversário de casamento, meu aniversário de nascimento. É muita emoção junta, mãe.
Dói pensar. Dói viver.
Deixemos, então, o tempo ir, passar, navegar, transbordar.
Não há como segurá-lo, não há como fazer voltá-lo atrás.
Deixemo-lo ir.
Apenas.
E tão somente.