sábado, 11 de junho de 2011

A carta

Há certas relações na vida que ultrapassam o sentido. Mãe e filho, amigos de fato especiais, um guru que você encontra uma vez só na vida e que a ela dá novo sentido, um amor - eterno ou não - técnico e atleta.

Para os nada acostumados ao mundo do esporte pode até parecer heresia inserir nesta tão seleta lista esta dupla tão... prosaica, humana. Mas até para os nada acostumados ao mundo do esporte esta crônica fará um sentido. Apesar de ser dedicada ao um exemplo (maravilhoso) dessa relação tão... prosaica(?) e humana(?).

Por um destes mistérios e presentes que a vida nos dá de vez em quando, eu, uma jornalista dedicada atualmente ao mundo da sustentabilidade, assumi o desafio de gerenciar um Clube de Atletismo de ponta, o melhor. E, no meu medo de errar e com a vontade de atrapalhar o menos possível, comecei a conhecer pessoas e histórias apaixonantes. Por outro lado, para mim, que desde adolescente me dedicava às quadras e bolas de voleibol, este universo não era assim tão desconhecido. Não...?

Numa noite de sábado, com certa dose de tristeza e a televisão ligada nas tramas irreais da novela, li de uma sentada só o livro sobre a história de Vanderlei Cordeiro de Lima, "A Maratona de uma Vida", de Renata Adrião D'Angelo. Na verdade, quase li de um sentada. Parei a duas páginas do final para escrever este texto. Porque há momentos da vida que precisam ser eternizados. E no meu caso não há melhor forma para isso do que escrever.

Li, finalmente, a carta que Ricardo D´Angelo, treinador de Vanderlei, escreveu a ele para ser lida quando Vanderlei estava a caminho da largada da Maratona de Atenas no último dia da emblemática Olimpíada de 2004. Sim, aquela mesma... onde o maluco padre irlandês agarrou nosso atleta que corria fagueiro para a Medalha de Ouro. Este episódio por si só valeria uma crônica. Fica para a próxima vez. Meu objetivo, agora, é falar da carta de Ricardo, que me fez chorar, como a milhares, com certeza.
A carta circula como referência na internet, não é difícil encontrar (mas, sinto informar, não será a mesma coisa que ler o manuscrito original enviado pelo próprio autor...).

"... Siga sua experiência e intuição" é um dos primeiros conselhos da carta. Simples, "batido" até. Mas certamente nossa vida muitas vezes seria melhor se o seguíssemos. Se acreditássemos mais em nós mesmos, nas nossas histórias, na nossa voz íntima. Vê? As coisas mais simples não raramente são as mais profundas.

"Acredite", "...não podemos desistir nunca". Chavões de novo? Não quando são palavras ditas de um coração para outro, no momento certo. Quantas vezes na vida não queremos apenas que alguém querido chegue perto e nos diga...: "Acredite, não podemos desistir nunca"...?

"Se estiver bem, ARRISQUE! Quem não arrisca na vida nada consegue". Este conselho, Ricardo, já é mais difícil, arriscado mesmo. Mas concordo contigo. Quem nao arrisca, não consegue (ou não "petisca", como diz a sabedoria popular). E vale a pena. Mesmo que a vida deixe marcas, visíveis ou não. "Melhor se arrepender do que fez do que não fez", sempre foi uma de minhas máximas preferidas. Mas confesso que alguns revezes me fazem às vezes duvidar. Às vezes, apenas.

"Entretanto, fique absolutamente tranquilo, pois minha confiança em você é enorme...". Este dispensa comentários.

"Saiba que, seja qual for o resultado, você sempre terá o meu apoio e confiança....". Quem estranhou no início desta crônica eu ter colocado a relação de atleta e técnico no mesmo patamar de mãe e filho espero que mude de ideia agora. Quem mais acredita em nós e nos apoia, mesmo nas derrotas? Mães e técnicos com certeza.

Por fim... fico aqui imaginando, antes de ler as duas páginas finais do livro, como deve ter sido o sabor daquela cerveja prometida ao final da carta, tomada por estes dois amigos na terra dos deuses gregos. Sob as bençãos de Pierre de Coubertin e milhões de brasileiros e amigos de outras pátrias.

Agora, vou ler as duas páginas finais. Agradecendo por esta emoção, por este momento, por este privilégio.